O problema é relativamente comum, mas muitas vezes fica escondido sob o silêncio de quem tropeça nele no caminho de volta da maternidade para casa. A depressão pós-parto pega de surpresa cerca de 20% das mulheres que acabaram de dar à luz, e consegue transformar o sonho da maternidade num verdadeiro drama.

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Qualquer mulher pode desenvolver a doença, segundo a especialista em psicologia obstetrícia Alessandra Arrais:

– É comum mulheres que desejavam muito um filho e planejaram toda a chegada dele sofrerem com o problema depois.

A baixa brusca de hormônios somada ao estresse do período pós-natal são dois dos combustíveis principais para que a doença chegue e se instale.

– No período de pós-parto, a mulher tem 25% mais chances de desenvolver um quadro depressivo do que em qualquer outra fase da vida. São mudanças muito grandes e, às vezes, repentinas. Se ela não estiver preparada, sofre – diz Alessandra

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Foram justamente essas revoluções que a maternidade traz que fizeram o emocional da decoradora Michelle Gomes, 33 anos, despencar depois do nascimento de Vicente, mesmo depois de uma gravidez tranquila e superplanejada. A chegada de Vicente, que deveria ser motivo de comemoração, virou um pesadelo.

– Eu tinha aquela ideia de bebê cheirosinho, deitadinho no berço, com o quarto decorado. Mas não é. O Vicente chorava muito.

Conforme a rejeição pelo filho tomava o lugar do carinho, a culpa que Michelle sentia aumentava.

– Era um conflito enorme. Pensava: “Como eu posso amar tanto meu filho e ao mesmo tempo sentir essas coisas ruins?”.

Dividida entre o amor e a sensação de que o filho era um peso ainda um tanto estranho na sua vida, a decoradora pensou até em fugir de casa.

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– Hoje chega a ser engraçado quando lembro, mas eram sentimentos muito intensos. Não queria estar ali, não queria ser mãe.

A mesma dúvida sobre se a maternidade era o melhor caminho pairou durante meses sobre a cabeça da professora de inglês Julien Katko, 31 anos, quando Giovana nasceu, em 2008. O chororô que apareceu logo na maternidade – tido como normal pela obstetra de Julien – não foi embora.

– Comecei a sentir uma angústia terrível. E uma dor no corpo que não passava. Mesmo que a Giovana estivesse dormindo, não conseguia descansar, e só chorava.

As visitas nunca eram bem-vindas. E a família, que curtiu a gravidez com Julien, não compreendia o que se passava.

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– Antes de saber que eu estava doente, meu pai dizia que não entendia. Que eu tinha sido abençoada com uma filha maravilhosa e não estava dando valor – lembra. – É uma tristeza profunda e completamente vazia. Só quem teve depressão sabe do que estou falando.

O marido era a única pessoa com a qual Julien conseguia admitir que a chegada de Giovana não estava sendo um mar de rosas.

– Rezava para ela dormir, porque era quando eu me livrava dela. Achava um saco trocar fralda, amamentar. Queria sair, trabalhar, ter a minha vida de volta.

Julien nunca pensou em agredir a filha. Por outro lado, mais de uma vez se pegou com pensamentos suicidas:

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– Mas não achava que era depressão, não sabia que podia acontecer comigo, tinha até um certo preconceito.

Os sintomas

– Sentem tristeza e vazio profundos

– Choram sem motivo aparente

– Sentem medo

– Sentem-se incapazes de cuidar do bebê

– Apresentam baixa autoestima

– Não têm apetite

– Têm dificuldade para dormir

– Sentem-se abandonadas

– Queixam-se de rejeição com frequência

– De repente, têm mais interesse em atividades esportivas

– Dedicam mais tempo ao trabalho

– Ficam ausentes de casa

– Podem apresentar irritabilidade excessiva

– Eventualmente, podem ter relações extraconjugais.

Sinais de atenção

Nenhuma mulher está completamente blindada de se deparar com a depressão pós-parto. Para a psicóloga Alessandra Arrais, às vezes aquela que mais deseja o bebê é a mais suscetível a desenvolver a doença:

– Quando a gravidez é muito planejada, pode ser que haja uma idealização do momento, e a mulher acaba colocando muita expectativa na criança. Pode achar que a vida só não está nos eixos ainda porque não tem um filho. Quando a criança chega, os problemas continuam, só que ela ainda precisa cuidar de um bebê.

Alguns grupos de gestantes merecem mais atenção

Um grupo merece ainda mais atenção. De acordo com Fátima Bortoletti, coordenadora do setor de psicologia obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo, as adolescentes, as perfeccionistas, as com antecedentes de depressão pessoal ou na família, as que não têm o apoio do pai do recém-nascido e as muito intelectualizadas devem fazer um trabalho preventivo na gravidez.

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– O pré-natal psicológico é como o médico. Você faz um acompanhamento, trabalha o emocional dos pais, tenta amenizar a angústia e orienta sobre o que vai acontecer – resume Bortoletti.

Para Alessandra, um trauma pode ter a ver com o fato de que ninguém nasce sabendo ser mãe.

– Às vezes, o primeiro bebê que ela pega no colo é o dela.

Para a psicóloga, uma gravidez tranquila também demanda atenção.

– É um quadro em que a mãe está aparentemente bem, mas na verdade está negando a gestação. Ela só pensa nisso quando a criança já nasceu.

Foi o que aconteceu com a estudante de Direito Greyce Kelly de Moraes, 23 anos. Apesar do susto e da barra de ter que contar para os pais, bastante conservadores, Greyce teve uma gravidez feliz. Mas foi só na última noite na maternidade que a jovem se deu conta da responsabilidade que tinha pela frente.

Nos meses seguintes, os sintomas pioraram e Greyce mal dava conta de pegar Enzo, hoje com um ano, no colo.

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– Chorava ele e eu. Passava horas chorando, sem entender o porquê – conta. – Cuidava dele porque tinha que cuidar. Achava o Enzo a criança mais feia do mundo, tinha vergonha das visitas.

O apoio da família e do namorado, Igor, foram fundamentais para ajudar a estudante.