Minutos antes de a aula começar, bolinhas de papel eram jogadas na cabeça dos colegas e aviõezinhos rasgavam os ares até aterrissar no chão ou na carteira de alguém, uma ebulição normal numa turma de 40 pirralhos de seis anos de idade que ainda desenhavam as primeiras letras. Mas quando a professora Jane colocava o pé dentro da sala, num movimento único, a turma se levantava para recebê-la.

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Só eventualmente algum distraído ficava conversando com o colega da carteira de trás, não se dava conta da chegada da professora e continuava o papo animado, com o interlocutor já rubro de constrangimento. Professora Jane franzia o cenho, mas era só para transmitir certo ar grave. Quarenta anos se passaram, ela está aposentada, mas quando qualquer ex-aluno a encontra na rua, para alguns minutos para conversar com aquela mulher que lhe ensinou o bê-á-bá. Mais do que lecionar, com alguém que se tornou uma referência em nossas vidas.

Depois dela, passaram as professoras Lurdes, Reni, Somil, Alda Poglia (e o mesmo sobrenome deste jornalista não é mera coincidência), Elisabeth, Marli, Terezinha, Mariângela, Bernadete e aqui poderia ser desfiado um rosário de 30, 40 nomes da fase inicial até o fim do ensino médio, ex-segundo grau. Independente dos nomes, elas tinham pelo menos dois pontos em comum: o profundo respeito das comunidades onde atuavam e o Fusquinha 1300. Na faculdade já é outra história e os primeiros choques: um colega se levanta e vai ao banheiro sem pedir licença, ou se dirige ao professor sem antes erguer a mão.

Nesta segunda-feira é o Dia do Professor. A data continua sendo um feriado escolar, mas fora isso o ambiente no colégio mudou radicalmente. É verdade que o número de analfabetos despencou no país, os computadores estão até mesmo nas escolas dos mais longínquos rincões, há mais professores especializados e, nas cidadezinhas do interior, nem é mais preciso caminhar até a escola amassando o barro em dias chuvosos, pois há ônibus que passa na porta de casa.

A mudança para pior está na relação com a escola. Virou um bordão dizer que creche é depósito de criança, mas pouco se fala de que o ensino fundamental e o médio também se transformaram, em grande parte, num depósito de crianças e adolescentes. Infelizmente, não são poucos os pais que se preocupam apenas em garantir a matrícula dos filhos e, a partir daí, o problema passa a ser da escola, tanto para o ensino quanto para a educação. Apesar de haver certa confusão entre estas duas palavras, a diferença entre elas é abissal.

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Voltando um pouco no tempo, o estudante que tinha uma anotação no boletim, do tipo “conversa em sala de aula”, era líquido e certo que levaria uma reprimenda em casa. Se fosse colocado para fora da aula e tivesse de ir para a sala da direção, aí o bicho pegava. Ao chegar em casa era bem provável que ainda levaria uns cascudos pelo desrespeito ao professor.

A professora Terezinha tinha o hábito de explicar matemática enquanto agitava o giz na mão direita. Quando alguém demorava para entender o elementar, ela jogava o giz, que cruzava a sala até a carteira do distraído. A turma caía na gargalhada, inclusive o malandro.

Hoje, um ato como este tem potencial para gerar boletim de ocorrência policial ou termo de ajustamento de conduta. Agressão gravíssima. Isto sem contar nos inúmeros casos de agressão física, como o ocorrido no final de setembro, quando uma mãe foi até a Escola Estadual Rosa Torres de Miranda, em Florianópolis, e bateu na professora Marcia Machado ao ouvir desta o questionamento sobre a atitude de perseguir agressores da filha, estudante daquele colégio.

A bandeira do Grupo RBS pela educação pergunta, na edição deste domingo, por que os jovens não têm interesse em seguir a carreira do magistério. Até os anos 1980, se fosse perguntado em qualquer sala de aula se alguém gostaria de seguir a carreira de professor dificilmente pelo menos um não levantaria a mão para dizer sim. Hoje é o inverso. Apesar do Fusquinha 1300, os professores já ganhavam mal quando fiz o que se chamava de primário, mas os mestres tinham autoridade e respeito.

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Nas cidades pequenas eram quase tão importantes quanto o prefeito. Hoje, um pirralho qualquer pisa no professor e ainda acaba protegido. A degradação da autoridade, sem dúvida, repele pessoas vocacionadas para o magistério. E uma das respostas para a pergunta, sem dúvida, é que a escola precisa voltar a ser uma extensão da nossa casa, com pais envolvidos, comprometidos com a formação dos filhos.