Ao atingir o Grupo Clarín, o governo argentino afronta o direito de todos à informação independente e à liberdade de expressão.
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Promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina (OAB-SC) e pela Associação Catarinense de Imprensa (ACI), a conferência Direito, Democracia e Liberdade de Expressão discute, desde quarta-feira à noite, em Florianópolis, temas essenciais para a consolidação dos direitos fundamentais dos cidadãos e para o fortalecimento, cada vez maior, das instituições democráticas. Afinal, preservar o livre pensamento, como determina a Declaração Universal dos Direitos Humanos, é uma tarefa permanente das instituições e das comunidades.
Repudiar qualquer tentativa de cercear ou intimidar o trabalho da mídia significa proteger um direito inalienável do ser humano: o da liberdade de manifestação. No exercício da atividade profissional, o jornalista desempenha função primordial na democratização das informações. Como bem observou o diretor de Redação de O Globo, Ascânio Seleme, em entrevista publicada no Diário Catarinense desta quarta-feira, qualquer agressão a jornalistas é um atentado contra a liberdade de expressão, seja qual for a origem dela. Painelista de hoje da conferência na Capital catarinense, Ascânio também manifestou preocupação sobre uma possível lei de regulamentação da mídia. Segundo ele, “pode resultar numa lei tão antidemocrática como a equatoriana ou a argentina”.
A discussão, absolutamente pertinente, ocorre no momento em que o governo argentino desferiu um golpe mortal na liberdade de expressão ao enquadrar o Grupo Clarín na Lei de Meios, chancelada esta semana pela Suprema Corte do país. Sob o rótulo de democratização dos meios de comunicação, a legislação desestrutura e fragiliza a independência do principal grupo do país num momento em que o governo Cristina Kirchner, em queda de popularidade, direciona investimentos publicitários às empresas alinhadas com sua administração. A lei, promulgada em 2009, teve um objetivo bem menos nobre do que a alegada tentativa de pulverizar o controle dos veículos e evitar monopólios. O que o governo pretendeu foi atingir especificamente o Clarín, que atua de forma independente e não se alinha aos interesses da Casa Rosada.
O constrangimento segue a lógica de regimes incapazes de conviver com o questionamento da imprensa e das mais variadas formas da liberdade de expressão. O argumento do kircherismo de que a lei evita monopólios não se sustenta. Há, sim, concorrência no setor na Argentina e essa tem sido potencializada, ali e em todo o mundo civilizado, pelas novas mídias virtuais, que desafiam modelos consagrados, constrangem regimes antidemocratas e facilitam a produção e a transmissão de informação e entretenimento.
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É evidente que o incômodo do qual o governo tenta se livrar é o da imparcialidade e da diversidade, ao mesmo tempo em que, como alertam organismos internacionais ligados ao jornalismo, contempla com fartas verbas oficiais e outros afagos os setores alinhados às suas ambições. A lei que atingiu o Clarín é a expressão do poder discricionário do Estado contra uma empresa punida por sua independência.
A decisão deve ser acatada, como todas as deliberações da Justiça, o que não significa obediência sem questionamentos. O grupo estuda recorrer a cortes internacionais, como último recurso para a preservação não só de sua estrutura e da sua história, mas do direito de continuar atuando com autonomia e imparcialidade. A tentativa de silenciar parte da imprensa, antes de provocar prejuízos econômicos a um grupo empresarial, significa afronta a todos os que buscam informações, em quaisquer veículos, como exercício permanente da liberdade de expressão.