De um lado o ônibus e do outro a bicicleta. Juntos melhoram a mobilidade urbana, mas quando o assunto é o espaço no trânsito, a discussão pode ficar acalorada e criar adversários. O Santa propôs uma troca de papéis e convidou um motorista de ônibus do transporte público para andar de bicicleta e um ciclista para acompanhar a rotina de um motorista de ônibus. A experiência deixou claro que algumas iniciativas abrem caminho para uma boa relação entre os modais: respeito, menor velocidade e atenção.

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O coordenador do programa Ciclovida da Universidade Federal do Paraná, José Carlos Belotto, lembra que a hierarquia entre os meios de transporte deve ser seguida e, neste caso, os ônibus precisam reduzir a velocidade e manter a distância de 1,5 metro do ciclista nas vias. Quem usa a bike deve evitar os corredores de ônibus, usar os espaços exclusivos a eles e sinalizar com antecedência as manobras, já que ônibus são grandes e as ruas, estreitas.

Para ensinar sobre essas questões, que estão no Código Brasileiro de Trânsito, instrutores de autoescolas levam para as aulas algo além: é preciso bom senso.

– Tanto os ciclistas quanto os motoristas devem respeitar as diferenças e se adequar às situações que aparecem. Todos que compartilham o espaço devem vivenciar o problema e se colocar no lugar do outro – diz Christian Luis Koch, instrutor de motoristas de ônibus na Auto Escola Itoupava Norte há 12 anos.

O motorista de ônibus e também ciclista, Lírio Nilvo Kochenborger, 45 anos, conhece a fragilidade do ciclista por se colocar no lugar dele:

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– Tenho carro, mas aqui no Garcia e Progresso tento fazer tudo de bicicleta. Dentro do ônibus minha atenção é redobrada, porque já senti na pele o quanto é ruim alguém tirar um fino de você. Percebo também que ciclistas devem evitar movimentos bruscos quando estão no bordo da via, como motorista sei o quanto é difícil fazer um movimento rápido, muitas vezes invadindo a pista contrária.

De acordo com o diretor de Transportes do Seterb, Lairto Leite, todos os motoristas de ônibus têm de passar por um curso de transporte coletivo de passageiro, e a autarquia tem planos de oferecer aos condutores, em parceria com o Serviço Social do Transporte (Sest) e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat), um treinamento de direção defensiva que envolveria a relação com ciclistas no trânsito:

– O relacionamento tem que ser melhor. Há reclamação tanto de ciclistas quanto de motoristas. Sabemos desta necessidade e um curso seria uma possibilidade para melhorar esse convívio.

O motorista no pedal

Lírio Nilvo Kochenborger, 45 anos, é motorista de ônibus há mais de 10 anos, mas sempre foi ciclista, apesar de ter carro. Morador do bairro Progresso, ele percorre uma das vias mais confusas para quem pedala: a Rua Amazonas, no Garcia. Além do trânsito intenso e a grande quantidade de pedestres circulando, o espaço para bicicletas se divide em calçadas compartilhadas sem sinalização e ciclofaixas estreitas. Lírio ainda afirma ter que conviver com a falta de respeito de motoristas que, na visão dele, muitas vezes não têm paciência com quem está de bike:

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Do curso de autoescola para motoristas de ônibus aprendeu algumas coisas que na prática nunca esqueceu, como por exemplo, não passar a menos de 1,5 metro de um ciclista.

A experiência

É na Rua Amazonas que Lírio Nilvo Kochenborger pedalou para se colocar no lugar do ciclista, já que na maior parte do dia percorre as ruas do Garcia e do Progresso dentro de um ônibus. Com uma bicicleta antiga, sem capacete e buzina, nem espelho retrovisor, ele não se sente inseguro quando carros e ônibus passam colados a ele na via. Já se acostumou depois de anos pedalando. Se incomoda com o ziguezague que tem de fazer pela falta de uma estrutura exclusiva para bicicletas na rua. Vai da calçada à ciclofaixa e da ciclofaixa ao bordo da pista com facilidade, e o olhar atento se lança aos pedestres e à sinalização, que muitas vezes não indica para onde ele deve seguir.

– Gosto de andar de bicicleta porque me relaxa, mas já fui fechado várias vezes por carros e ônibus. O importante é todos que compartilham terem atenção uns aos outros e, principalmente, os maiores respeitarem os menores.

O ciclista no ônibus

Por dia, são mais de 70 quilômetros de bike percorridos em Blumenau, cujas ruas Douglas Fernando Nunes, 24 anos, conhece muito bem. Há três meses ele abriu o próprio negócio e faz entregas e serviços de banco na cidade. Só anda de bicicleta e de ônibus e não sabe nem ligar um carro. Defende que a cidade tenha um espaço exclusivo nas ruas para a bike e mesmo que não seja recomendado prefere andar de bicicleta nos corredores de ônibus:

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Para ele, os motoristas ficam empoderados ao dirigir um carro ou um ônibus e esquecem do que está ao seu redor. Entre tantos caminhos percorridos nunca sofreu acidente, mas acredita que não entra nas estatísticas pela atenção que tem no trânsito e por estar com os acessórios de proteção sempre em dia.

A experiência

Longe da bicicleta e do capacete, o ciclista Douglas Fernandes Nunes entrou em um ônibus no Terminal do Aterro (a escolha do veículo e do motorista foi feita aleatoriamente). Embarcou na Linha 10 – Terminal da Fonte via Rua São Paulo – desconfiado. Isso porque logo que questionado sobre os ciclistas nas ruas, o motorista de ônibus disse:

– A calçada é larga, por que eles não andam lá? Nessas ruas estreitas de Blumenau, infelizmente não tem como manter a distância de 1,5 metro dos ciclistas.

Havia uma grande distância entre as ideias dos dois. Em uma das respostas, o motorista foi direto:

– Nem se me pagassem R$ 500 iria do Aterro ao Centro de bicicleta. Não há estrutura adequada para ônibus, imagina para ciclistas.

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Mas da oportunidade de estar do outro lado, Douglas observou a quantidade de ciclistas sem proteção e circulando em lugares indevidos, os pontos cegos nas ruas e, principalmente, a dificuldade que é frear bruscamente com um veículo transportando tantas pessoas.