*Por Anahad O'Connor
Há quatro meses, a revista científica "Annals of Internal Medicine" publicou um estudo controverso que incentivava as pessoas a não se preocupar com os riscos de consumir carne vermelha e carne processada, contrariando décadas de conselhos nutricionais.
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O estudo foi amplamente criticado por especialistas em saúde pública, incluindo importantes grupos de saúde como a Associação Americana de Cardiologia e a Sociedade Americana de Oncologia. Alguns especialistas pediram que o artigo fosse retirado de circulação, enquanto outros comemoraram as descobertas e as utilizaram para questionar as diretrizes nutricionais que desencorajam o consumo de carne.
Na semana passada, um grupo de importantes pesquisadores reagiu, publicando um grande estudo na revista "JAMA Internal Medicine" que mais uma vez destacou os riscos potenciais de uma dieta rica em carne vermelha. Os pesquisadores analisaram dados de um grupo diversificado de pessoas que foram acompanhadas ao longo de três décadas, em média. Eles revelaram que as pessoas que consumiam mais carne vermelha, carne processada e frango apresentavam um risco ligeiramente superior de desenvolver doenças cardiovasculares. Pessoas que comiam peixe com frequência não apresentavam o mesmo risco.
As novas descobertas dificilmente encerrarão o debate em torno da carne vermelha e sua conexão com doenças crônicas, mas fornecem mais evidências aos especialistas que argumentam que a carne vermelha e a processada aumentam o risco de doenças cardiovasculares e sugerem que as autoridades de saúde dificilmente mudarão a recomendação de limitar o consumo de carne.
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Uma das autoras do novo estudo, a dra. Linda Van Horn, faz parte do grupo que ajuda o governo federal dos EUA a atualizar as Diretrizes Nutricionais para os Americanos, que recomendam há muito tempo que as pessoas limitem o consumo de carne vermelha e carne processada. Van Horn é membro de dois subcomitês consultivos, incluindo um que, neste momento, está esboçando as recomendações nutricionais a respeito do consumo de gorduras alimentares e frutos do mar.
Em uma entrevista, Van Horn afirmou que o novo estudo se baseia em alguns dos melhores dados à disposição dos pesquisadores. Segundo ela, os resultados reforçam as recomendações de que as pessoas devem priorizar alimentos como frutas e legumes frescos, peixes, grãos integrais, castanhas e sementes, além de limitar o consumo de alimentos como a carne vermelha e a processada, grãos refinados, alimentos fritos e bebidas açucaradas.
"Quando você tem uma dieta rica em alimentos processados e refinados, ela colabora para aumentar o risco de doenças, além de não trazer os benefícios das fibras, vitaminas, minerais e proteínas vegetais que contribuem para a saúde", comentou Van Horn, chefe da divisão de nutrição da área de medicina preventiva da Faculdade de Medicina Feinberg, da Universidade Northwestern.
As conclusões do novo estudo contrastam com aquelas publicadas no ano passado, segundo as quais a redução no consumo de carne vermelha e processada resultou em menos mortes causadas por câncer e doenças cardiovasculares, mas concluiu que as evidências eram frágeis, já que boa parte dos dados deriva de estudos observacionais que não são capazes de demonstrar causalidade. Segundo os autores, o aumento do risco era mínimo e, portanto, insuficiente para afirmar que as pessoas deveriam comer menos carne.
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Os críticos se queixaram de que a pesquisa era inconsistente. Segundo eles, os autores avaliaram as evidências contra o consumo de carne por meio de uma ferramenta criada para realizar ensaios clínicos de medicamentos, não para estudos dietéticos. O principal autor do relatório foi criticado por deixar de revelar conflitos de interesse, incluindo o fato de ter recebido dinheiro do setor para publicar um estudo similar na mesma revista três anos antes, que utilizou os mesmos métodos para descreditar as diretrizes que indicavam que as pessoas deveriam consumir menos açúcar. Em dezembro do ano passado, a revista publicou uma correção no artigo, reconhecendo os conflitos de interesse do autor.
Os autores do artigo mais recente interpretam as evidências sobre o consumo de carne de maneira diferente. Sua análise, iniciada há uma década e financiada em parte pela Associação Americana de Cardiologia e pelo Instituto Nacional de Saúde, utilizou dados de 30.000 pessoas acompanhadas durante décadas como parte de seis estudos de longa duração sobre doenças cardiovasculares. Entre os estudos incluídos na análise está o importante "Framingham Heart Study". Iniciado em 1948, o estudo Framingham ajudou os cientistas a identificarem alguns dos principais fatores de risco para doenças cardiovasculares, como o fumo, a pressão sanguínea elevada, a obesidade, o diabetes e a falta de atividade física.
Os pesquisadores examinaram as dietas das pessoas avaliadas, e de que maneira elas afetavam o coração e as taxas de mortalidade. Tratou-se de um estudo observacional, o que significa que os cientistas conseguiram isolar a relação entre dieta, comportamentos e resultados cardiovasculares, mas não puderam comprovar a causalidade. Por fim, concluíram que comer duas ou mais porções de carne vermelha, processada ou de frango por semana está relacionado a um aumento de quatro a sete por cento no risco de desenvolver doenças cardíacas. Segundo eles, quanto maior o consumo, maiores os riscos.
Embora muitas pessoas que consomem carne não desenvolvam problemas cardíacos, os resultados refletem o que outros estudos de grandes proporções encontraram em inúmeras ocasiões, incluindo um recente estudo publicado na revista "Annals of Internal Medicine", segundo o qual o consumo de maiores quantidades de carne está associado a um ligeiro aumento no risco do desenvolvimento de doenças cardíacas.
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Entretanto, cabe aos indivíduos decidir se querem ou não comer carne. Questões sobre o bem-estar animal preocupam muitas pessoas. A sustentabilidade também é um tema recorrente, já que a carne vermelha também representa um elevado impacto ambiental.
Quanto à saúde, o consumo de carne vermelha e processada é um dos muitos fatores nutricionais e de estilo de vida que têm um papel relevante no desenvolvimento de problemas cardiovasculares, afirmou Norrina Allen, uma das principais autoras do novo estudo e professora de medicina preventiva da Faculdade de Medicina Feinberg. Segundo ela, embora muitas pessoas possam considerar que esse é um fator menos relevante, não se pode ignorá-lo.
"Eu diria que, ainda que o risco pareça reduzido, é importante levar em conta qualquer risco elevado de problemas graves, como a mortalidade e as doenças cardíacas."
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