*Por Rick Rojas e Richard Fausset

Oak Ridge, Tennessee – Talvez seja bem apropriado que as décadas de busca pelos colaboradores do nazismo que viviam nos EUA tenham chegado ao fim – ou quase – em uma cidadezinha pequena, em uma casa interiorana igual a muitas outras, no meio do nada.

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Segundo vários relatos, o homem que morava ali também parecia ser bastante comum – como dezenas de outros cooperantes nazistas que foram encontrados e julgados ao longo dos últimos 50 anos.

Friedrich Karl Berger, de 94 anos, foi obrigado por um juiz federal recentemente a voltar para a Alemanha, país do qual continua sendo cidadão e onde foi guarda de um campo de concentração durante a Segunda Guerra Mundial.

Como em muitos casos antes do seu, a revelação da identidade do velhinho simpático – pai e marido atencioso que criou os filhos na mesma casa e cuidou da esposa doente até a morte – revelou-se uma surpresa de derrubar o queixo dos vizinhos.

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Ed McCleary, diretor de escola aposentado, fala dos anos de bate-papo agradável com Berger. "As revelações sobre seu passado não circularam por aqui, mas não deixa de ser preocupante descobrir que ele teve envolvimento nesse tipo de coisa", comenta.

Existem poucos casos como o de Berger; desde 1979, o Departamento de Justiça faz questão de encontrar esses criminosos de guerra com a intenção de deportá-los, devolvendo-os a seus países de origem. Entretanto, desde o começo tem sido uma corrida contra suas expectativas naturais de vida.

"Naquela época, pediram que trabalhássemos o mais rápido possível, mantendo a responsabilidade, pois eram pessoas de idade e estavam morrendo", conta Eli Rosenbaum, lembrando o início de sua carreira como caçador de nazistas, em 1980.

Membro do alto escalão da unidade de Direitos Humanos e Condenações Especiais do departamento, ele foi um dos jurados no caso de Berger. Depois de um julgamento de dois dias em Memphis, no Tennessee, um juiz de imigração emitiu a ordem de remoção contra Berger.

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"Berger fez sua primeira escolha ao se alistar no Exército alemão em 1943; e a segunda, ao não pedir transferência quando foi convocado para um subcampo para cuidar dos prisioneiros do sistema de campos de concentração de Neuengamme, perto de Meppen, na Alemanha", Rosenbaum disse em entrevista.

Em nota, o promotor federal Brian Benczkowski afirmou que Berger "fazia parte da máquina de opressão da SS que mantinha os prisioneiros dos campos de concentração em condições atrozes".

Embora o caso ainda não tenha chegado ao fim, pois aguarda o resultado da apelação, a Promotoria federal já "praticamente encerrou" os casos da era nazista, dada a idade avançada dos suspeitos, de acordo com Rosenbaum.

E isso significa o fim provável de um tipo específico de drama detetivesco de alto risco, agravado pelo peso da história e do horror – casos que se desenrolaram à longa sombra da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto, com os colaboradores encontrados e revelados levando existências geralmente tranquilas que os normalizaram e os livraram de sua cumplicidade.

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"O governo federal entrou com 133 casos desse tipo nas últimas quatro décadas, e ganhou 109, sendo que na maioria dos outros o suspeito morreu ou se tornou incapacitado em termos médicos para participar do processo antes do desenlace", explica Rosenbaum.

A lista federal de alvos incluía homens conhecidos como Valerian Trifa, o arcebispo ortodoxo romeno acusado de ser simpatizante do nazismo e que saiu dos EUA em 1982 para evitar ser deportado, e Arthur Rudolph, que ajudou a desenvolver o foguete Saturno 5 para o programa espacial, que saiu do país em 1984, depois de ser acusado pelo Departamento de Justiça de "levar milhares de trabalhadores escravos à morte" em uma fábrica de foguetes alemã durante a guerra.

E havia também os que levavam uma vida bem mais pacata, e ainda assim foram formalmente acusados e julgados, como John Demjanjuk, metalúrgico de Cleveland acusado de matar prisioneiros judeus em três campos de concentração, deportado para Israel depois de ter a cidadania revogada em 1981; e Jakiw Palij, ex-guarda nazista que foi morar em Nova York e enfrentou a deportação em 2018, aos 95 anos. As autoridades usaram uma maca para tirá-lo de casa, no Queens, e colocá-lo na ambulância aérea com destino a Düsseldorf, na Alemanha.

Quando saiu da Alemanha, Berger morou primeiro no Canadá antes de se estabelecer nos EUA, segundo Rosenbaum. Em entrevista por telefone para o "The Washington Post", Berger, que servira a Marinha alemã, disse que recebeu ordens de trabalhar no campo de concentração. E se descreveu como viúvo, avô de dois netos, aposentado depois de encerrar a carreira de torneiro de máquinas pesadas.

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"Depois de 75 anos? Isso é ridículo. Não dá para acreditar. Não entendo como algo assim pode acontecer num país como este. Vocês estão me expulsando de casa!", protestou.

Em entrevistas, os vizinhos se disseram surpresos e tristes ao saber que Berger estava sendo deportado. "Ele era uma presença amiga; tinha muito orgulho de viver nos EUA", comenta uma vizinha que viveu na casa em frente à de Berger durante quase trinta anos, chegando a conhecê-lo, e à sua esposa, muito bem.

A mulher preferiu não se identificar, temendo chamar a atenção para si e dizer alguma coisa que pudesse prejudicar os esforços de manter Berger no país, mas admitiu entender que "o que ele fez não foi bom".

"Fiquei sabendo de umas coisas aqui e ali", explica ela, observando que teve um número limitado de conversas com Berger. "Não percebeu a extensão do horror do que estava acontecendo quando estava lá", afirma, referindo-se ao tempo que ele passou no campo, acrescentando: "Garantiu que logo em seguida pediu que fosse transferido."

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A Promotoria não tem provas de que Berger mentiu sobre o trabalho no campo de concentração e, de acordo com Rosenbaum, quando chegou ao país, em 1959, os EUA tinham afrouxado as leis pós-guerra que proibiam a entrada de participantes da campanha de perseguição nazista, pois estavam mais preocupados com a infiltração de comunistas.

Com a década de 70, porém, surgiram na imprensa as histórias dos criminosos de guerra que viviam nos EUA e foi promulgada, em 1978, a Emenda Holtzman à Lei de Nacionalidde e Imigração, que tornava "deportável" qualquer pessoa que tivesse tido envolvimento com a perseguição nazista.

A juíza, em seu parecer, concluiu que Berger se encaixava na legislação e deveria ser expulso do país devido "à sua diligência como guarda armado de um campo de concentração onde houve perseguições".

Essa sentença foi o ponto alto de uma investigação de vários anos que também contou com a "mãozinha" de um tipo de milagre: uma série de cartões da SS que identificavam os guardas dos campos de Neuengamme, descoberta em 1950 em um navio alemão afundado pelos Aliados cinco anos antes, e que continha o nome de Berger.

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"Quais são as chances de um cartão sobreviver intacto a cinco anos debaixo d'água, no Mar Báltico?", questiona Rosenbaum.

Oak Ridge, no Tennessee, onde Berger morou durante várias décadas, foi praticamente toda erguida voltada à construção de bombas durante a Segunda Guerra Mundial, tornando-se a sede administrativa e militar do Projeto Manhattan, iniciativa de montagem das primeiras armas nucleares. Ainda hoje abriga o Laboratório Nacional de Oak Ridge, um centro de pesquisas com verba federal.

Mas mesmo aqui os elos vivos com o grande conflito mundial estão desaparecendo. Para Devora Fish, diretora de educação da Comissão do Holocausto do Tennessee, condenações como a Berger ajudam a garantir que os erros do passado não sejam esquecidos.

"A punição de alguém, mesmo que seja por um crime cometido há 50 anos, representa uma mensagem importante para o mundo. Porque não vamos parar até que todos paguem pelo que fizeram. Pode ter sido há meio século, mas eles vão pagar pelo que fizeram", conclui.

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