Em nome de um rigor fiscal a que nem mesmo o governo federal se submete, retira-se dos entes federados o direito de aplicar mais recursos em serviços básicos e em investimentos.

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A inclusão das dívidas de Estados e municípios na pauta prioritária do Senado corrige uma omissão do Congresso, que durante anos ignorou os apelos de governadores e prefeitos. O projeto que propõe mudança na forma de correção das dívidas, já apreciado pela Câmara, poderá finalmente ser aprovado, se for vencida a resistência da área econômica do governo federal. Pela atual fórmula de indexação, que corrige a dívida pelo IGP-DI mais juros que variam de 6% a 9% ano, a União vem arrochando Estados e municípios e praticamente anulando sua capacidade de investimento.

O sistema é incoerente com o próprio esforço do Planalto de convencer o país de que passou a ser possível conviver com juros razoáveis, apesar das correções recentes da taxa básica, por conta da ameaça da inflação. O modelo de correção da dívida está ultrapassado, sob qualquer ponto de vista. A federalização dos compromissos de Estados e municípios, nos anos 1990, ocorreu num ambiente totalmente diverso do atual cenário brasileiro. Argumenta-se que esse sistema, mesmo superado, é a garantia de que governadores e prefeitos não cometerão abusos que possam comprometer as contas públicas. É um raciocínio tortuoso, que procura vincular a austeridade à manutenção da atual fórmula.

Em nome de um rigor fiscal a que nem mesmo o governo federal se submete, retira-se dos entes federados o direito de aplicar mais recursos em serviços básicos e em investimentos. Os devedores são estrangulados por uma conta impagável, que se tornaria menos onerosa se, como prevê o projeto em apreciação no Senado, as parcelas a pagar fossem corrigidas pelo IPCA mais 4% ao ano ou pela taxa Selic – o que for menor. Setores do governo e estudiosos das contas públicas que se alinham aos temorosos com a aprovação do projeto têm razão, no entanto, em relação a uma advertência.

Estados e municípios não podem descuidar, com mais recursos para gastar, do rigor no controle de suas contas, sob pena de comprometerem todo o esforço no sentido de trocar o indexador. Se os controles consagrados de responsabilidade fiscal não forem suficientes para impedir gastanças, os próprios congressistas devem propor novos mecanismos de vigilância. Feito o alerta, que se vote finalmente o projeto inovador. Seria absurdo manter um sistema cruel de correção de dívidas, que penaliza todo o país, com o argumento de que assim se impõe, pela força, a responsabilidade administrativa.

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Pelo raciocínio dos contrários à proposta, os devedores devem ser tutelados para sempre, sem o direito de viabilizar seus planos de governo. É mais absurdo ainda que a União, sem autoridade para inspirar qualquer gesto de seriedade fiscal, tenha sido por tanto tempo a pretensa guardiã de tal ponto de vista.