*Por Jane E. Brody
A aspirina, o primeiro supermedicamento, sempre foi o remédio preferido de muitas pessoas, uma espécie de faz-tudo barato e de fácil acesso. Valorizada por sua capacidade de aliviar a dor, a febre e a inflamação, a aspirina está nos armários e kits de primeiros socorros de todas as casas há mais de um século.
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Ainda assim, sua reputação foi manchada nos últimos tempos pelo reconhecimento de efeitos colaterais potencialmente graves, especialmente sangramentos no trato gastrintestinal e no cérebro. Em vista da longevidade da aspirina e da facilidade de acesso a ela, esses riscos são às vezes ignorados pelos consumidores, que tomam o remédio com menos cuidado do que deveriam.
Diversos relatos de que a aspirina pode evitar ataques cardíacos, AVCs e câncer colorretal também contribuíram para que muitas pessoas começassem a tomar regularmente doses baixas (aspirina infantil) todos os dias sem conversar antes com um médico para avaliar a suscetibilidade a possíveis complicações. As pessoas que dão atenção apenas ao lado preventivo da aspirina, baseando-se nos conselhos de amigos e familiares, podem usar o medicamento incorretamente, assumindo mais riscos que benefícios potenciais.
A aspirina pode ser uma bênção ou uma ameaça, dependendo de quanto você sabe a respeito do espectro de riscos e benefícios conhecidos. Existe uma exceção importante: se você acha que está tendo um ataque cardíaco, depois de ligar para a emergência, mastigue uma pílula comum de 325 miligramas, ou quatro aspirinas infantis, para ajudar a evitar os possíveis danos causados por um coágulo.
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Diferentemente dos medicamentos anticoagulantes, que interferem na capacidade de coagulação sanguínea, a aspirina funciona ao impedir que as plaquetas se unam para formar coágulos que podem bloquear uma artéria. Em pessoas que já tiveram um ataque cardíaco, um AVC ou que têm vasos sanguíneos muito estreitos no cérebro ou no coração, o uso diário de aspirina ajuda a reduzir o risco de ataques cardíacos ou AVCs no futuro.
Homens com mais de 50 anos e mulheres com mais de 60 que tenham diabetes e um ou mais fatores de risco de doenças cardíacas, como pressão sanguínea elevada e histórico de fumo, também podem se beneficiar do uso diário de aspirina.
Um estudo sobre aspirina e o risco de câncer, envolvendo 146.152 pacientes adultos e publicado em dezembro na revista científica "JAMA Network Open", revelou que o consumo do medicamento três ou mais vezes por semana estava ligado a um risco reduzido de morte e a um risco menor de morte por câncer, especialmente o colorretal e outros tipos de câncer gastrointestinal.
Em suas últimas diretrizes para pessoas saudáveis, a Força-Tarefa de Serviços Preventivos dos EUA recomendou em maio do ano passado o uso de doses baixas para evitar problemas cardiovasculares e câncer colorretal em adultos com idades entre 50 e 59 anos e expectativa de vida de ao menos 10 anos, e que tenham ao menos 10 por cento de risco de desenvolver alguma doença cardiovascular, não tenham risco de sangramento excessivo e não se importem de tomar aspirina diariamente por ao menos uma década.
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(O risco de doença cardiovascular de um indivíduo pode ser estimado por meio de uma calculadora como a criada pelo Colégio Americano de Cardiologia e pela Associação Americana do Coração, em cvriskcalculator.com.)
Esse conselho é limitado a pessoas que não estejam tomando medicamentos que aumentam o risco de sangramento – por exemplo, anticoagulantes como a varfarina ou anti-inflamatórios não esteroides, como ibuprofeno e naproxeno.
O conselho de usar doses baixas de aspirina como medicamento preventivo também vale para adultos saudáveis com idades entre 60 e 69 anos, de acordo com a força-tarefa, embora a decisão deva ser "individual", ainda que os especialistas afirmem que seja melhor conversar antes com um médico. (Ao contrário da força-tarefa, a FDA, a agência americana responsável por alimentos e drogas, não aconselha o uso diário de aspirina para pessoas saudáveis e, por essa razão, esse uso não é indicado na bula nos EUA.)
Para adultos com menos de 50 ou mais de 69 anos, a força-tarefa concluiu que as evidências são insuficientes para justificar o uso preventivo de aspirina, ainda que em doses baixas. Neste momento, não é possível afirmar que os benefícios potenciais superam os riscos.
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A capacidade anticoagulante da aspirina pode atrapalhar a coagulação após algum ferimento, além de irritar a pele do trato gastrointestinal. O sangramento gastrointestinal pode aparecer como fezes escuras ou como sangue no vômito (caso uma úlcera se desenvolva), ainda que, em alguns casos, o sangramento seja tão lento que é difícil notá-lo. Hematomas pelo corpo também podem indicar que o sangue não está coagulando corretamente.
De fato, a chance de uma complicação causada pelo sangramento aumenta em pessoas idosas, cujos tecidos geralmente ficam mais finos com o passar do tempo. Uma conhecida minha, ativa e saudável, de 72 anos, que tomava doses diárias de aspirina, morreu de um sangramento incontrolável após uma colonoscopia de rotina. O marido disse que ela não foi questionada sobre o uso de aspirina antes do procedimento e, por isso, não foi aconselhada a interromper o uso.
Para pessoas que já tiveram ataques cardíacos ou AVCs, a proteção oferecida pela aspirina é seis vezes maior que os riscos, de acordo com o dr. Michael Gaziano, cardiologista do Hospital Feminino Brigham e professor da Faculdade de Medicina de Harvard.
"Acredito que a maioria das pessoas que sangram por causa da aspirina não morrem. Mas muitas pessoas que têm ataques cardíacos e AVCs morrem. Portanto, a escolha é clara", afirmou recentemente na Harvard Health Letter.
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Entretanto, as evidências indicam que doses baixas de aspirina são pouco usadas pelas pessoas que mais se beneficiariam. Em um estudo com adultos no Wisconsin, publicado na revista científica "Journal of Family Practice", apenas 31 por cento das pessoas que se beneficiariam do uso de aspirina estavam tomando o medicamento regularmente.
Resolvi pesquisar os benefícios das doses baixas de aspirina, em parte por causa de uma amiga que embarcaria em uma longa viagem de Nova York para a Cidade do Cabo, na África do Sul. Ela disse que seu médico recomendou a ingestão de uma aspirina de 81 miligramas antes de voos longos, já que ficar parado no mesmo lugar por muito tempo, juntamente com os níveis mais baixos de oxigênio e da desidratação comum durante os voos, pode levar à formação de coágulos nas veias profundas. Esses coágulos podem se soltar e ir para os pulmões, onde podem ser fatais.
Descobri, porém, que quase não existem evidências de que a aspirina proteja contra coágulos em veias profundas e contra os tipos de coágulo que se formam quando a pessoa fica sentada durante muito tempo.
Uma forma de prevenção mais eficaz é beber um ou dois copos de água por hora, limitar ou, melhor ainda, evitar completamente as bebidas alcoólicas, usar meias de compressão, alongar os pés regularmente, e, sempre que possível, caminhar pelos corredores do avião.
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Se você ainda acha que tomar uma aspirina antes de viajar é uma boa ideia, converse antes com um médico para garantir que não existam contraindicações relativas a seu histórico médico. Se não houver problema, o melhor momento para tomar o medicamento é de três horas a trinta minutos antes do voo.
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