– Quem fez as trombetas que os anjos tocavam?
Quem pergunta é um senhor de 80 anos.
– Quem fez a harpa que rei Davi entoava?
A resposta é dele mesmo:
– Foi Deus, o primeiro luthier do mundo.
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A reverência não é religiosa, mas musical. Vem de Antônio Bittencourt de Matos, 80 anos, um notável inventor de instrumentos que tem oficina no Centro de Florianópolis. É no espaço apertado, cheio de ferramentas e objetos de trabalho, que são criados violinos e violões que seguem pelo Brasil e alcançam países da Europa.
Faz 50 anos que o servidor público aposentado é luthier. Quando fez o primeiro violino quis mostrar ao pai. Foi orientado a levar para um antigo músico ver. Tratava-se um imigrante alemão, que quis ficar com o instrumento para tocar em um casamento. No retorno, o exigente alemão quis comprar a peça. A primeira encomenda foi de 40 violinos para uma igreja em São Paulo. A remessa serviu de incentivo para o começo de uma atividade. Os instrumentos que produz chegam às mãos de grandes músicos e maestros. Mas também atende anônimos em busca de um simples conserto.
São pessoas com ligação muito grande com o instrumento. Capazes de distinguir o que é feito artesanalmente e em escala industrial.
– Gente que chega aqui como se houvessem machucado, ferido, pisado um filho, um parente delas.
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Artista transforma madeira em arte
Na família Matos sempre existiram muitos trabalhadores artesanais. Ferreiros, armeiros, sapateiros, marceneiros. Antônio tornou-se luthier com ajuda de um conhecido da família, com quem fez um curso. Mas acha que o aprimoramento foi herdado dos pais, avós e bisavós. Um dos dois filhos também é luthier.
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Com centenas de instrumentos saídos das próprias mãos, Matos entendeu qual era o seu lugar:
– Não sei tocar. Entendo que luthier não é um músico. Esse precisa passar por uma escola de música, de maestria, saber compor.
Mesmo assim, o instrumento passa a fazer parte da vida do profissional. Explica que muitas vezes levanta-se à noite por causa da temperatura e do tipo de madeira. Também exige material de primeira qualidade. Madeira e cola importados da Alemanha para garantir qualidade.
Aos 80 anos, o luthier acredita que esteja na hora de parar. Matos tenta calcular o quanto produziu. Acredita ter feito uns 100 instrumentos que estão na Europa. Uns 200 pequenos violinos para crianças, 30 para maestros do Brasil. Sente-se mais confortável por saber que em Santa Catarina existem outros profissionais fazendo o trabalho com talento e dedicação.