Finalzinho do segundo tempo, o juiz apita pênalti para o Avaí. O lado azul do estádio Adolfo Konder comemora. É a chance de fazer o gol da vitória contra o Figueirense e ficar com o título do campeonato juvenil de Florianópolis. O escalado para bater é um habilidoso meia de 17 anos, tido como o craque do time. O rapaz olha para as arquibancadas, corre para chutar e… praticamente atrasa a bola para o goleiro do maior rival. Com o sonho de ser jogador de futebol sepultado por aquela cobrança bisonha, nasce uma carreira que está completando 60 anos.
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— Eu tinha um vizinho, Onélio Rodolfo de Souza, que era sonoplasta na rádio Guarujá. De tanto eu pedir, ele me levava para o estúdio para vê-lo trabalhar. Fui aprendendo a mexer na mesa, passei a substituir os funcionários que estavam de folga. No dia 1º de abril de 1957, a emissora me contratou como operador de som — lembra o comentarista da CBN Diário e RBS TV e colunista do DC, Roberto Alves.
Manezinho da Avenida Mauro Ramos, no centro da Capital, desde criança ele se dividia entre as duas paixões. Quando não estava aprimorando seus dribles em alguma pelada no Campo do Manejo, passava o tempo livre ouvindo a rádio Nacional. Era futebol na rua, no ar, até em casa. O pai, motorista do governo do Estado, chamava-se Iavá (Avaí ao contrário) e, honrando o nome, era avaiano. Foi ele que levou Beto, aos sete anos, para assistir à sua primeira partida. Ou melhor, para secar o Figueira contra o Paula Ramos, em 1947, no mesmo gramado onde o filho perderia a penalidade.
Tantas coincidências envolvendo o Leão da Ilha sugerem que Roberto também seja azurra. Em uma época na qual os catarinenses torciam para uma equipe no Estado e para outra no país, porém, o futuro comunicador adotou somente o Fluminense paterno. Em âmbito local, encantou-se com o Paula Ramos – não o que viu enfrentar o Furacão do Estreito, e sim o campeão estadual de 1959. Como o clube rubro-negro desativou seu departamento de futebol em 1969, ele se esquiva fácil da polêmica sobre qual seria seu time no coração.
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— Torcedor é aquele que vai para a arquibancada torcer. Eu vou para a cabine de imprensa trabalhar — ensina, com a isenção de quem é tachado de avaiano pelos alvinegros e vice-versa.
O profissionalismo com que pauta sua atuação só lhe faltou naquela tarde de domingo de 1957 em que se postou diante da marca da cal. Na véspera da decisão, um colega de time lhe revelou a identidade da mulher que, nas rodadas anteriores, ele havia notado aplaudindo suas jogadas. Era a mãe, Nair, que abandonara a família antes de ele fazer dois anos e vivia com o técnico do Avaí.
— Imagine como ficou minha cabeça. Eu nem a conhecia, nunca chamei ninguém de mãe. Cheguei a pensar que só estava no time porque ela devia interceder em meu favor com o treinador. Não quis mais jogar, só entrei em campo porque os outros jogadores insistiram, dizendo que eu era importante para o time. Passei a partida inteira apático. Bati o pênalti chorando — conta, sem demonstrar pesar.
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De operador de som, Roberto virou repórter, apresentador, comentarista e o que mais aparecesse para fazer. A partir do rádio, tornou-se multimídia. Participou da fundação da primeira emissora de TV de Santa Catarina, a Cultura, em Florianópolis, em 1970. Por lá ficou até ser contratado pelo Grupo RBS, em 1998, onde continuaria no dial, na telinha e, desde 2000, também no papel. Poderia carregar o título de comendador mesmo se não tivesse ganhado as comendas do Mérito Esportivo e da Associação Catarinense de Emissoras de Rádio e Televisão (Acaert), de tão diplomático que é.
Do primeiro casamento, tem as filhas Claudia, jornalista, e Sandra, advogada. O professor de educação física Roberto – que lhe deu seu único neto, Eduardo – é fruto da união com Adilceia. É com ela que o jornalista, fã de MPB e de cinema, de massa e bacalhau, mora em um amplo apartamento no Estreito. Da sacada, acompanhou a verticalização do bairro.– Esse monte de prédio acabou tirando todo o visual que eu tinha da Beira-mar Continental e da ponte Hercílio Luz – resigna-se.
Mas as memórias, conquistas e amizades acumuladas em sua trajetória vitoriosa, ninguém lhe tira.
A primeira Copa e a maior alegria profissional
Em 1998, Roberto Alves viveu sua maior alegria profissional. Recém-contratado pelo Grupo RBS, ele estava apresentando o Debate Diário, na CBN Diário, quando recebeu a ligação de um ouvinte ilustre: ninguém menos do que um dos acionistas da empresa, Pedro Sirotsky.
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— Pensei que fosse um trote, cheguei a falar que não iria admitir que alguém usasse o nome do vice-presidente da empresa para esse tipo de brincadeira de mau gosto — diz Roberto.
Mas era verdade. O executivo queria aproveitar a audiência do programa para divulgar a lista dos profissionais que iriam cobrir a Copa do Mundo da França. Seriam 35 do Rio Grande do Sul e sete de Santa Catarina. De propósito, disse o nome de seis catarinenses e ficou em silêncio.
— Avisei que faltava um. Então Pedro começou a falar que o escolhido tinha muitos anos de experiência, que era um colaborador que há muito a RBS queria. Como eu já tinha recebido um convite para trabalhar no grupo antes, na hora percebi de quem ele estava falando: era eu!
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Depois de 40 anos de carreira, finalmente Roberto iria cobrir sua primeira Copa do Mundo. O destino, porém, reservaria mais surpresas para ele em solo francês. Novamente, um pênalti atravessaria seu caminho. Na última rodada da primeira fase, um já classificado Brasil perdeu de 2 a 1 para a Noruega. O pênalti que originou o gol da vitória nórdica, mostravam as câmeras, não havia existido.
Presente no estádio, ele bateu pé. Tinho sido falta, sim. Virou motivo de chacota. Mais tarde, um vídeo captado por um cinegrafista holandês mostrou o lance em um ângulo que revelava o que só Roberto havia visto: o agarrão do zagueiro no atacante norueguês dentro da área, confirmando a decisão do árbitro.
Os minutos mais intensos na TV
Todas as noites de segundas-feiras, os amantes do futebol em Santa Catarina tinham compromisso. Liderado por Roberto Alves, o programa Terceiro Tempo (exibido pela extinta RCE TV) apresentava os principais lances do futebol, além de debates acalorados sobre a rodada. A edição de 12 de maio de 1986, no entanto, foi diferente. Um homem fardado invadiu o estúdio apontando revólveres para os integrantes da bancada, exigindo que a transmissão continuasse.
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Era o policial militar Sílvio Roberto Vieira, ameaçando se matar. Com muito tato, Roberto conseguiu acalmá-lo e o convidou para se sentar ao lado do técnico do Figueirense, Jorge Ferreira, que formava a mesa com o comentarista Miguel Livramento e o repórter Hélio Costa. Ao vivo e em cores, o soldado reclamou das promessas de aumento salarial não cumpridas pelo governo do Estado e chorou ao falar da dificuldade para criar os seis filhos.
Sensibilizado, Roberto apelou para que o governador Esperidião Amin e o comandante da PM, coronel Saulo Nunes de Souza, aparecessem com alguma solução. Ao assistir à cena, o também comentarista Paulo Brito subiu o morro para tentar convencer Sílvio, seu ex-aluno no Instituto Estadual de Educação, a mudar de ideia. Enquanto isso, a caserna se movimentava.
Avisado pelo telefone, o tenente-coronel Luiz Eugênio Uriarte, comandante do 4º Batalhão, foi para lá e ficou acompanhando o drama por um monitor de TV, à espera do momento certo para agir. Quando Brito chegou, o oficial entrou em cena e aproximou-se de Sílvio, com o pretexto de negociar uma saída pacífica para a confusão. Nervoso, o soldado vacilou e foi rendido. Foram os 32 minutos mais intensos da carreira de Roberto Alves.
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