Embora o país tenha sancionado neste mês a lei federal que exige a disponibilização do Ensino Médio em todas as penitenciárias, os sistemas prisional e educacional de Santa Catarina ainda precisam superar o baixo índice de detentos com o Fundamental completo.
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Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), cerca de 55% dos presos no Estado não concluíram a primeira etapa dos estudos. Destes, 2% são analfabetos e 3% aprenderam a ler informalmente.
Dados do Centro de Educação de Jovens e Adultos (Ceja) revelam que, para cada preso cursando o Ensino Médio em SC, outros 4,6 ainda estão no nível Fundamental.
Desde 2012, o preso que estuda tem direito à redução de pena – para cada 12 horas em sala de aula é descontado um dia da detenção. Mesmo assim, o ensino faz parte da rotina de apenas 7,5% dos detentos em SC. De um total de 18 mil presos, cerca de 1,4 mil estudam nas unidades prisionais.
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Falta de documentos dificulta continuidade
— Muitos chegam analfabetos ou com baixíssima escolaridade, e alguns não sabem em que série pararam de estudar. Nem tudo está no nosso sistema de acesso, e ainda há os que vêm de escolas municipais que não temos acesso. Se os documentos do Fundamental sumiram, por exemplo, não há como fazer a inscrição dele no Médio – explica a assessora de direção do Ceja Florianópolis, Fabiana Santos.
As aulas são ministradas por professores do Ceja dentro das penitenciárias, de colônias penais ou presídios. Os internos podem fazer disciplinas isoladas, adaptando o horário dos estudos à rígida realidade de viver atrás das grades.
Cada penitenciária tem sua própria rotina: enquanto no Presídio da Agronômica, em Florianópolis, a turma e o professor permanecem no mesmo ambiente, no de São Pedro de Alcântara, por exemplo, alunos e mestres são separados por barras de ferro.
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Mas, por questões de segurança, a maioria das unidades não permite levar materiais escolares (inclusive cadernos e livros) para praticar na cela o que foi absorvido em sala de aula.
– Nunca registramos confusão entre presos e professores. Quantas escolas públicas podem dizer o mesmo? — questiona o diretor da Penitenciária da Agronômica, Gabriel Airton da Silveira.
Segundo a Secretaria de Educação (SED), cinco das 40 unidades prisionais de SC ainda não possuem estrutura específica às aulas. Coordenadora do programa de Educação em Espaços de Privação de Liberdade, Beatris Andrade afirma que apenas aquelas sem espaço físico apropriado continuam sem uma rotina de aulas:
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– Em geral, são estruturas feitas numa lógica de isolamento e punição, não dispõem de um espaço minimamente adequado para uma sala de aula – critica Beatris, que já foi professora no sistema prisional.
Suporte legal que chega com atraso
De acordo com Beatris, a mudança na Lei de Execução Penal (LEP) “chega atrasada”, pois a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1996, já previa a universalização do Ensino Médio.
Ainda assim, a coordenadora do programa comemora o que considera um reforço para projetos que incentivam a formação dentro dos presídios. O que, para ela, representa redução da reincidência e melhora na convivência e na rotina dentro dos espaços prisionais.
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Já o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) afirma em nota que a nova legislação é um “importante suporte legal” para a promoção de mecanismos de reinserção social: além de determinar o oferecimento do Ensino Médio, a Lei 13.163 determina a realização de um censo educacional em todos os presídios, o que em Santa Catarina está sendo alinhado entre o Deap e a Secretaria de Educação.
Será a primeira vez que um levantamento deste tipo será realizado no Estado, afirma Otávio Campos Simone, gerente de educação do Deap.
Detentos miram o Ensino Superior
Enquanto copia os detalhes da aula sobre hidróxidos e hidrálise, um detento que prefere não se identificar consulta uma tabela periódica. Com 35 anos, está preso por tráfico de drogas desde 2003, contando as entradas e saídas. Cursando o Ensino Médio dentro da Penitenciária da Agronômica, pretende fazer o vestibular para Serviço Social na UFSC no fim do ano e planeja uma virada na vida.
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Mesmo que seja aprovado, resta um empecilho difícil de ignorar: ainda restam dois anos para terminar sua passagem pelo sistema prisional catarinense.
Hoje, detentos aprovados em vestibulares têm direito a trancar a matrícula enquanto aguardam a progressão para o semiaberto. Uma vez trocado o regime, podem frequentar as aulas durante o dia e dormir na penitenciária.
A maior parte dos detentos ainda tenta alcançar ou concluir o Ensino Médio, mas uma pequena parcela já está de olho no Ensino Superior. Conforme dados do Infopen, apenas 3% dos detentos catarinenses passaram pela faculdade, e só 1% concluiu a graduação.
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Segundo a Secretaria de Educação de SC, não há estrutura de pré-vestibular ou formação específica para os preos passarem nas provas. Mesmo assim, iniciativas individuais buscam apoiar os internos, principalmente para a seleção da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que pode ser utilizado para validar o Ensino Médio.
No ano passado, 1,7 mil detentos se inscreveram no Enem. Justamente Para dar um último reforço aos interessados no exame nacional, o Ceja Florianópolis também está organizando um aulão excepcional dentro da própria penitenciária, que deve ocorrer entre outubro e novembro.
Além disso, dos 38 alunos da Capital no ano passado, quatro foram aprovados em primeira chamada para Meteorologia, História e Serviço Social na UFSC.
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– Quanto mais a pessoa sentir seu direito assegurado, menos angustiada ela vai ficar. Isso é bom para a administração do presídio, para os detentos e para a sociedade – conclui Beatris Andrade.