Como quase tudo, cores entram e saem de moda – em roupas e acessórios, em objetos de decoração, e até mesmo em maquiagens. Hoje, uma das principais responsáveis por observar e registrar essas idas e vindas é a Pantone, empresa norte-americana de consultoria de cores. Desde 2000, a companhia analisa tendências em doze áreas (política, esportes, tecnologia, arte, moda, joalheria, economia, viagem, design, automóveis, cinema e entretenimento) e aponta, anualmente, qual cor deverá ser aquela que, no ano seguinte, vai marcar as escolhas dos consumidores no mundo todo.

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– A Pantone surgiu como uma gráfica – explica a professora Berenice Gonçalves, dos programas de gradução e pós-graduação em Design da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Berenice ministra, entre outras, disciplinas de teoria da cor. – Eles identificaram essa necessidade de padronizar e facilitar a comunicação entre designers, escritórios e indústrias de impressão, e começaram a desenvolver cartelas de numeração e especificação de cores. Eles trabalham com um nicho de cores chamado “cores especiais”, que foge do padrão CMYK (aquelas feitas a partir de proporções de ciano, amarelo, magenta e preto). Essas cores têm uma qualidade visual mais rica.

– A Pantone dissemina internacionalmente esse padrão numérico, que ajuda a normatizar o universo cromático, que é, em si, subjetivo: em línguas diferentes você pode ter codificações diferentes para certas cores ou tons, por exemplo – prossegue a professora. – A Pantone hoje não produz tintas, ela credencia empresas que produzem tintas de acordo com esse código; e também tecidos, padrões hexadecimais para uso em meios digitais…

A pesquisa anual de tendências e apontamento das “cores do ano” começou oficialmente em 2000, na virada do milênio.

– Ou seja, a Pantone começou com uma preocupação técnica, no sentido de garantir a fidelidade da cor, e depois avançou para esse lado conceitual ao identificar uma oportunidade de mercado – diz Berenice. – A Pantone nunca entrega só uma ou duas cores principais, ela entrega uma cartela paralela de combinações, que permite a flexibilidade de aplicações em diversos nichos. É uma série de informações para que a indústria e os profissionais possam visualizar melhor como essas cores podem ser aplicadas.

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A consultoria elegeu o
A consultoria elegeu o “Illuminating” e o “Ultimate Gray” como as cores do novo ano (Foto: Unsplash)

Para 2021, a Pantone escolheu dois tons: o amarelo e o cinza (não é a primeira vez que isso acontece: em 2016, as selecionadas também foram duas cores, um tom de rosa e um de azul). Mas não qualquer amarelo e qualquer cinza, é claro: a consultoria é sempre bem específica em suas seleções, e elegeu o “Illuminating” e o “Ultimate Gray” como as cores do novo ano.

– Uma coisa interessante de observar é o reforço semântico feito pela Pantone: ela destaca as cores, mas enfatiza aspectos bem específicos dessas cores; nos nomes, na descrição, na própria justificativa do conceito, nas sugestões de aplicação – destaca Berenice. – São frases, textos que reforçam o sentido que a empresa quis conferir àquela cor naquele momento específico. Isso porque a universalidade da cor não é um consenso: as pessoas vivem em contextos diferentes, lugares diferentes, e a experiência cinestésica de cada um com a cor deixa uma impressão. As vivências individuais e culturais influenciam muito a relação que cada um vai ter com cada cor. Tudo está associado a um repertório.

Ao justificar sua seleção para 2021, a Pantone descreveu o Illuminating como um “amarelo claro e animador que brilha com vivacidade; um tom aconchegante, com o poder solar”. Já o Ultimate Gray, com um tom que lembra o de rochas, foi escolhido por teoricamente representar “elementos sólidos e confiáveis, que são eternos e fornecem uma fundação firme.” Mas, como a professora Berenice Gonçalves já explicou, isso é apenas uma de muitas interpretações que poderiam ser conferidas a esses tons.

– O amarelo, por exemplo, nem sempre vai ser associado à luz do sol, à perspectiva de futuro – ela ressalta. – Ele foi usado no filme Kill Bill por remeter à violência; pode estar associado ao luxo ao se aproximar do dourado; à decadência ao se apresentar como um amarelo mais ocre, próximo das folhas de outono. Historicamente, ele também tem uma associação bem forte com as doenças, com a hepatite, com hematomas na pele. As cores têm potencialidades intrínsecas, construídas a partir de diferentes referenciais, mas, na hora de ser aplicadas, precisam desse contexto.

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A escolha do cinza também foi, provavelmente, influenciada por questões práticas:

– O amarelo é uma cor ambígua, difícil de combinar; mas o cinza é muito curinga, é uma cor bastante associada à neutralidade – diz Berenice. – Então essa combinação do amarelo com uma cor neutra é mais natural. A cor selecionada precisa ter uma viabilidade, ser aplicável, não apenas interessante conceitualmente; e, pela dificuldade de uso do amarelo, a Pantone precisava lançar uma cor de apoio para facilitar essa viabilidade.

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A seleção anual de cores também atende a uma necessidade da indústria:

– A indústria não dá conta de trabalhar com uma cartela de cores imensa, então essa organização de demandas, de tendências, é muito conveniente para as fábricas de insumos, de tecidos, de materiais para decoração, etc; que ganham uma orientação a respeito de em quais cores focar em cada momento – lembra a professora.

O amarelo e o cinza: muitos significados

No livro A Psicologia das Cores: como as cores afetam a emoção e a razão, a cientista social alemã Eva Heller analisa os significados e interpretações cultural e historicamente associados a cada cor. “Conhecemos muito mais sentimentos do que cores. Dessa forma, cada cor pode produzir muitos efeitos, frequentemente contraditórios”, escreve a autora. “Cada cor atua de modo diferente, dependendo da ocasião. O mesmo vermelho pode ter efeito erótico ou brutal, nobre ou vulgar.”

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“A impressão causada por cada cor é determinada por seu contexto, ou seja, pelo entrelaçamento de significados em que a percebemos”, Heller prossegue. “A cor num traje será avaliada de modo diferente do que a cor num ambiente, num alimento, ou na arte.”

Separamos alguns trechos do livro que tratam sobre o amarelo e o cinza, as cores eleitas pela Pantone para o ano de 2021:

O amarelo do sol, do otimismo e da inteligência

“A experiência mais elementar que temos do amarelo é o sol. A luz do sol é percebida como amarela, embora seja, em verdade, incolor. Como cor do sol, o amarelo age de modo alegre e revigorante. Os otimistas têm uma disposição ensolarada; o amarelo é sua cor. O amarelo irradia, ri, é a principal cor da disposição amistosa.”

“No simbolismo europeu antigo, o amarelo também é a cor da inteligência: o azul é a cor do espiritual, pertence aos poderes extraterrestres; o vermelho é a cor das paixões, pertence ao coração; o amarelo é a cor da inteligência, pertence à cabeça. O amarelo pertence ao verão assim como o verde à primavera. O verde é o crescimento, o amarelo é a floração. O amarelo é a cor mais comum nas flores.”

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Uma cor ambígua

“Ao amarelo pertencem a vivência e o simbolismo do sol, da luz e do ouro – mas também da irritação, da hipocrisia e da inveja. Ele é a cor da iluminação, do entendimento; mas é também a cor dos desprezados e dos traidores. É assim, extremamente ambígua, a cor amarela.”

“O amarelo é a cor de tudo que nos causa raiva. A inveja é amarela – a inveja é a raiva pela posse alheia. Amarelo é o ciúme – raiva pela existência de outros. Também a cobiça é amarela. No idioma inglês, ‘yellow’ significa também ‘covarde’. Uma risada vacilante, os franceses chamam de ‘um riso amarelo’.”

O cinza das adversidades

“Cinza é a cor de todas as adversidades que destroem a alegria de viver. Os dias de carnaval terminam com a quarta-feira de cinzas. Nos Estados Unidos, são chamadas de ‘áreas cinzentas’ as regiões onde o desemprego é especialmente alto. Chuva e névoa, nuvens e sombras são da cor cinza. Cinza é a cor de tudo sob o mau tempo. O cinza é uma cor do frio e do inverno. Existem também os ‘tempos cinzentos’, expressão que se usa em sentido figurado.”

“Conhecemos muito mais sentimentos do que cores. Dessa forma, cada cor pode produzir muitos efeitos, frequentemente contraditórios” (Foto: Unsplash)

A cor do segredo e do mistério

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“‘À noite todos os gatos são pardos’ (em alemão se diz que são ‘grau’, cinzentos) – o sentido desse provérbio significa: desde que ninguém saiba de algo, ninguém é castigado. No sentido jurídico, uma ‘zona cinzenta’ significa o campo difuso entre o que ainda é permitido e o que já é proibido. Quem age nas zonas cinzentas se utiliza das lacunas que existem nas leis. No mundo animal, o cinza é a cor preferida para a camuflagem.”

O lado positivo do cinza: a inteligência e a humildade

“O cinza é a cor da reflexão e a cor da teoria. Na substância cinzenta do cérebro jaz a compreensão. As publicações altamente especializadas e as teses de doutorado constituem a ‘literatura cinza’. (…) O manto de Cristo, a Rocha Sagrada, é cinza. Os peregrinos usavam cinza. O caminho pedregoso, símbolo da privação, é cinza. A princesa dos contos de fada Cinderela, a Gata Borralheira, vestia-se de cinza, assim como era cinzenta também a sua vida, até que ela foi descoberta pelo príncipe.”

As cores escolhidas pela Pantone nos últimos anos

CORES PANTONE
A Pantone começou a fazer sua agora tradicional seleção anual de cores-tendência há duas décadas, no ano 2000 – a primeira cor escolhida foi o Cerulean, um tom claro de azul. Confira as cores mais recentes apontadas pela empresa, desde 2015:
Marsala
PANTONE 18-1438
Tom de vinho puxado para o castanho, o Marsala é descrito pela Pantone como uma cor terrosa sofisticada, calorosa e elegante, que “evoca a riqueza e a satisfação de uma refeição ou bebida elaboradas.” O Marsala é dramático e ao mesmo tempo estável, orgânico e ao mesmo tempo associado ao glamour e ao luxo.

A versatilidade da cor também foi exaltada pela Pantone – e, de fato, dos tons recentemente eleitos pela empresa, o Marsala foi um dos que mais pegou: a cor pode ser usada na moda, no design, na decoração, em roupas e acessórios masculinos e femininos, e fica bem contra muitos tons de pele.
Rose Quartz
PANTONE 13-1520
Serenity
PANTONE 15-3919
2021 não é o primeiro ano em que a Pantone elege não uma, mas duas cores-tendência: em 2016, a empresa selecionou um tom de rosa e outro de azul como as cores do ano. “Os consumidores buscam o bem-estar e a consciência como antídotos para as tensões modernas, aceitando cores que transmitem psicologicamente a tranquilidade e segurança que são cada vez mais necessárias”, descreveu a Pantone na época. “Juntas, Rose Quartz e Serenity evocam o equilíbrio que existe entre um rosa acolhedor como um abraço e um tom azul claro mais frio e tranquilo, refletindo uma sensação de ordem e paz.”

As duas cores, tão tradicionalmente associadas ao universo feminino (o rosa) e ao masculino (o azul), também foram selecionada para refletir a maior fluidez entre gêneros, cada vez mais presente na sociedade. “Esta abordagem da cor coincide com movimentos sociais em relação à igualdade de gêneros e com uma maior liberdade no uso da cor como forma de expressão, com uma geração que tem menos preocupação em ser estereotipada ou julgada.”
Greenery
PANTONE 15-0343
Fresco e moderno, o tom Greenery é inspirado no início da primavera e se refere principalmente à preocupação da humanidade com a ecologia e o ambientalismo. Natural e neutra, a cor foi escolhida para lembrar a exuberância da vida ao ar livre.

“Quanto mais envolvidas as pessoas estiverem na vida moderna, maior será o seu desejo inato de mergulhar na beleza física e na unicidade inerente do mundo natural”, justifica a Pantone. “Uma cor que reafirma a vida, Greenery também é emblemática na nossa busca pelas paixões pessoais e por nossa vitalidade.”
Ultra Violet
PANTONE 18-3838
Considerada uma cor complexa e contemplativa, a Ultra Violet sugere “os mistérios do Cosmos”, a intriga do que ainda está por vir, e as descobertas a ser feitas no futuro. “O vasto e ilimitado céu noturno é simbólico do que é possível fazer para continuar a se inspirar no desejo de perseguir um mundo que está além do nosso”, descreve a Pantone; lembrando que, historicamente, o misticismo, a espiritualidade e práticas de expansão de consciência têm sido associados a tons de roxo e violeta.

Outro aspecto destacado da cor é o da contracultura, associado ao talento artístico, ao não-conformismo e ao que não é convencional. “Ícones da música como Prince, David Bowie e Jimi Hendrix trouxeram tons da família do Ultra Violet para a cena principal da cultura pop ocidental, como expressões pessoais da sua individualidade”, ressalta o texto da Pantone.
Living Coral
PANTONE 16-1546
Definida como vibrante e suave ao mesmo tempo, a Living Coral foi selecionada pela Pantone em 2019 para representar transformação e espontaneidade: “Reagindo às investidas devastadoras da tecnologia digital e à consolidação da mídia social em nossas vidas cotidianas, passamos a procurar experiências autênticas e imersivas que permitem a conectividade e a intimidade”, diz o comunicado da Pantone.

O tom de coral também foi definido como sociável, espirituoso, envolvente e encorajador, “simbolizando a busca inata pela alegria, a necessidade por otimismo, e o desejo por se expressar se divertindo.”
Classic Blue
PANTONE 19-4052
Quando o ano começou, ninguém sabia, é claro, que ele seria marcado pela pandemia de coronavírus. Em dezembro de 2019, a cor anunciada pela Pantone como o destaque de 2020 foi a Pantone Classic Blue, descrita como uma cor simples e elegante ao mesmo tempo. “Lembrando o céu noturno do entardecer, a cor aumenta nossa aspiração por uma base sólida e estável sobre a qual construir, enquanto adentramos o limiar de uma nova era”, descreve o anúncio no site oficial da Pantone.

Tradicionalmente considerada uma cor tranquila, o azul foi selecionado por transmitir paz e serenidade, oferecendo uma sensação de conforto e proteção, impactando positivamente a concentração e o equilíbrio. É um tom empático e instigante, contemplativo e interativo, que ancora qualquer seleção de cores.
LINHA DO TEMPO: Ângela Prestes
TEXTO: MARINA MARTINI LOPES