A espera por uma nova chance de vida demorou mais de 10 anos para a Camilla Bueno de Liz de 29 anos. Ela ficou uma década aguardando na fila do Sistema Único de Saúde (SUS) para conseguir uma cirurgia bariátrica. Nesse período viu a saúde e a mente se deteriorarem. A cada manhã precisava tomar medicamentos para controlar pressão alta, diabetes, colesterol, triglicerídeos e também para tratar esteatose hepática não alcoólica – popularmente conhecida como gordura no fígado.
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— A gordura estava me matando aos poucos, eu tinha um tumor benigno no ovário e precisava retirar a vesícula, porém pesando 166 kg com 1,65 metros de altura ninguém queria me operar, só depois que eu fizesse a bariátrica. Eu esperei muitos anos, recebi a indicação do médico em 2007. Porém um dia passei muito mal e fui para UPA e os médicos disseram que o meu caso era muito grave e que eu poderia ter morrido. Foi aí que eu e meu marido vimos que se continuássemos esperando pelo SUS eu poderia morrer — conta Bueno
Ao custo de R$ 600,00 por mês ela e a família contrataram um plano de saúde para realizar o procedimento. A operação foi feita aproximadamente 6 meses depois, em 2017. Mãe de dois filhos um de 10 e outro de 13 anos, o desafio dela agora é manter a família em novos hábitos mais saudáveis.
— Eu tenho muito medo que os meus filhos passem pelo mesmo que eu, pois o mais novo já está acima do peso. Desde que eu fiz a cirurgia temos regras: refrigerante, hambúrguer, fritura, só no fim de semana — diz Camilla
Camilla perdeu 83 kg nos últimos dois anos e conta que o procedimento a devolveu a chance de viver, pois agora pode realizar atividades comuns, antes impensadas.
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— Eu não andava de ônibus por que não passava na catraca, não saia para lugares com cadeiras plásticas com medo delas quebrarem. Por fim eu já evitava até sair na rua por causa dos olhares. Pedir emprego então…era horrível, as pessoas discriminam o obeso — diz de Liz
Em Santa Catarina 139 pessoas aguardam a operação pelo SUS, de acordo com o portal online de dados da fila de espera do Governo do Estado. O mais antigo paciente aguardando na lista está nela há dois anos.
O médico e cirurgião bariátrico há 20 anos, Felipe Koleski, trás uma perspectiva única aos desafios enfrentados pelos pacientes que se submetem ao procedimento, após realizar mais de mais de 3.000 operações, ele também se submeteu a cirurgia no ano passado. Felipe chegou a pesar 125 quilos e comenta que o tempo espera pela cirurgia deve respeitar um período de 40 a 60 dias, mas quando ultrapassa esse período e chega a anos as consequências podem ser graves e até mesmo fatais.
— Eu já tive um paciente que morreu enquanto aguardava ser chamado, o motivo foi uma pancreatite. O problema foi uma consequência da obesidade, pois ele estava com uma alteração nos triglicerídeos, que são as principais gorduras do nosso organismo e servem como uma reserva de energia. Além disso há o impacto psicológico, já que a angústia da espera pode levar a depressão. Obesos são propensos a doença, pois comumente tem auto estima baixa e dificuldade de interagir com a sociedade — afirma Koleski
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O cirurgião ressalta que a mortalidade na fila de espera é maior que a da cirurgia, chegando a 5%, enquanto é de 0,3% entre operados. As vítimas fatais da espera normalmente têm como causa de morte doenças relacionadas ao peso, como infarto e AVC. Outro fator citado por ele é que apesar do número crescente de intervenções, com uma ampliação de 19% nos últimos dez anos em SC, se opera apenas 0,8% dos pacientes com indicação cirúrgica. De acordo com Koleski estima-se que 3 a 4% da população geral tenha obesidade grave.
— Apesar do alto número de pessoas que se enquadram no quadro de indicação para a cirurgia, é fundamental entender que ela é a última opção para o paciente após ele ter esgotado todas as opções de tratamento, como dietas e medicamentos. É também imprescindível deixar claro que não é uma garantia de emagrecimento para toda a vida e sim um empurrão que permite que o paciente perca 40% do peso — diz Felipe
A indicação e procedimento para cirurgia é o mesmo para o SUS e particular, inclui pessoas com idade entre 18 e 65 anos, portadores de obesidade grave em que o Índice de Massa corporal (IMC) está entre 35 kg/m² e 39,9 kg/m², com comorbidades, ou seja, doenças relacionadas ao peso como diabetes tipo 2 e problemas ósseos e pacientes com IMC igual ou maior do que 40 kg/m², sem comorbidades.
O paciente deve passar por acompanhamento de uma equipe multidisciplinar com psicólogo, nutricionista, endocrinologista e o cirurgião. Porém, o médico destaca que a manutenção de resultados é uma mudança permanente de vida em que a pessoa precisa compreender que possui uma doença crônica e incurável.
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— Se eu chamar 10 pacientes de volta ao consultório cinco anos depois das operações, destes sete estarão magros e os demais terão ganho peso novamente — afirma o especialista
Pós-operatório
O profissional explica que 80% dos pacientes que operam são mulheres e que após o procedimento cirúrgico nota-se que elas têm mais dificuldade de continuar o emagrecimento, normalmente por falta de apoio familiar. O cirurgião ressalta que a presença de uma rede de suporte é fundamental para que a pessoa possa se adaptar à nova realidade, sendo necessário passar por sessões com psicóloga .
— Eu percebo que os maridos muitas vezes sabotam a cirurgia das esposa, por que eles pedem pizza, fazem churrasco,não mudam a sua rotina em prol dela. Já as mulheres não, a maioria entra na dieta junto com o marido, conversa com a nutricionista e faz com que toda a família mude os hábitos. — diz o médico
A realidade é sentida por Camilla que conta que enfrenta desafios constantes para se manter com a alimentação regrada, enquanto o marido e filhos muitas vezes pedem guloseimas como pizza e refrigerantes.
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— É muito difícil, porque às vezes eu quero comer por que a minha mente segue desejando as mesmas coisas e aí eu como muito, como antigamente, e passo mal. Suo frio, começo a tremer, tenho febre e sinto dores — afirma Camilla
O que ocorre com ela é a chamada síndrome de dumping, ocasionada pela passagem rápida de alimentos com grandes concentrações de gordura e/ou açúcares do estômago para o intestino e acontece apenas em pacientes submetidos a cirurgias gástricas.
— Os alimentos calóricos liberam endorfina, o que dá sensação de bem estar, por isso é tão complicado fazer com as pessoas mudem os hábitos alimentares — afirma o Felipe
A recomendação para os paciente é fracionar a alimentação em aproximadamente 6 refeições por dia em menores volumes e com acompanhamento contínuo de um nutricionista para evitar a perda de nutrientes.
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— Como paciente e médico eu afirmo que é fundamental os grupos de apoio de pacientes, uma coisa é o que os profissionais da saúde dizem e outra é a vivência de cada um. Às vezes só as pessoas que passam por isso conseguem falar a mesma língua e assim se ajudam a desfrutar desta segunda chance para viver — conclui o cirurgião