Quem conseguiu sair da Venezuela pode pelo menos festejar o fato de estar fora do país neste momento conturbado. Os imigrantes que conseguiram emprego no Brasil vão comemorar o Natal, mas com um sentimento dúbio no coração: a alegria do abrigo em outro país e a tristeza de estar longe dos familiares e amigos nesta época tão especial do ano.
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É o caso da família de Jorge Luis Alvarez, 42 anos, e Damelis Dias, 43 anos, que pela primeira vez na vida passará as festas de fim de ano longe da terra natal. Eles chegaram a Florianópolis neste ano. Primeiro veio Jorge, em maio. Quatro meses depois, Damelis e os dois filhos adolescentes conseguiram também deixar o país.
A ceia de Natal terá até peru, a pedido dos filhos, Jorge Alejandro, 16 anos, e Astrid Alejandra, 12. A família vivia em Maracay, a 120 quilômetros de Caracas, capital da Venezuela.
A vida lá era confortável antigamente. Tinham apartamento próprio, carro. Até que a situação no país começou a ficar difícil e, depois, insuportável. Jorge era funcionário público concursado e trabalhava como motorista do Ministério da Agricultura. Damelis era administradora de condomínios. Com o salário que recebiam podiam dar uma vida tranquila aos filhos.
Conseguiram driblar a crise até o início de 2017, época em que a situação passou a ganhar contornos de tragédia. Em pouco tempo, o salário do casal não dava nem para as despesas mais básicas da família.
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Em fevereiro deste ano um primo decidiu vir para Florianópolis, onde já tinha conhecidos. Jorge esperou o mais que pode, mas acabou decidindo também tentar a sorte na capital catarinense. Deixou Damelis e os filhos na Venezuela, porque não havia condições financeiras de saírem todos ao mesmo tempo.
– Foi muito triste. Nós tínhamos tudo lá. Uma vida boa, família, amigos. Não queria ter que sair do meu país. Mas a inflação estava demais, além de todos os outros problemas. Em pouco tempo o que ganhávamos não dava mais nem para comer e pagar as contas – conta Jorge.
Só para ter uma ideia, uma bandeja de ovos e um frango estava custando cerca de um salário mínimo.
Jorge entrou no Brasil por Pacaraima. De lá viajou de ônibus até Manaus, e depois continuou o percurso até chegar em Florianópolis no dia 25 de maio.
A primeira dificuldade foi o idioma. Achava difícil se comunicar, e só conseguia trocar algumas palavras com os brasileiros graças à ajuda do primo, com quem foi morar nos primeiros tempos.
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Sustento através da venda de morangos em semáforos
Para ganhar dinheiro vendia caixas de morangos em cruzamentos de um bairro da cidade. Enquanto isso Damelis tentava vender os bens da família na Venezuela para vir embora com os filhos. Cada telefonema era mais difícil. A saudade apertava e Jorge estava decidido a voltar para seu país. Damelis, porém, não deixou que isso acontecesse.
Vender o apartamento em Maracay era impossível, porque ninguém tinha condições de pagar o que ele valia. Mas conseguiu vender o carro e pagar a viagem dela e dos filhos para o Brasil. O peito de Jorge quase estourou de felicidade quando ela disse que viria.
Para não perderem o apartamento, uma prima ficou morando nele. Damelis e os filhos saíram apenas com uma mala de roupas e uma quantia em dinheiro vivo, bem escondido nas roupas. Chegaram de ônibus a Caracas e lá começou a peregrinação, porque é difícil atravessar a Venezuela até a fronteira. Passaram por Santa Elena de Uairém, cidade venezuelana a 15 quilômetros da fronteira com Pacaraima. Chegaram em Boa Vista 26 horas depois.
– Se a polícia nos pegasse iria pedir informações e seríamos revistados. Se achassem o dinheiro seria muito complicado. Não se pode levar dinheiro vivo na Venezuela – explica Damelis.
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Ela chegou com os filhos a Florianópolis no dia 13 de setembro. O reencontro da família foi comemorado com festa, mas também com apreensão. Precisavam de um lugar para morar e, principalmente, de trabalho. Nos primeiros meses eles continuaram vendendo morangos nos semáforos. Conseguiram matricular os filhos em uma escola estadual.
A situação começou a melhorar quando Damelis conseguiu emprego de serviços gerais na Paróquia Nossa Senhora do Carmo, no bairro de Coqueiros, com carteira assinada. Ainda sobra tempo e energia para fazer faxinas, o que engrossa a renda familiar. Jorge trabalhou temporariamente como ajudante de cozinha em um restaurante, mas continua em busca de algo fixo.
Já está com sua carteira de habilitação atualizada, e diz que gostaria muito de voltar a trabalhar como motorista. A família mora em uma edícula emprestada, nos fundos da casa paroquial onde Damelis trabalha. Lá, eles só precisam pagar água e luz.
– A nossa sorte foi ter encontrado tanta gente boa e disposta a nos ajudar. Vamos ter um Natal feliz graças aos brasileiros que cruzaram nosso caminho. E tudo o que queremos para 2019 é saúde e trabalho – finaliza Jorge.
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