Nora tem 30 anos, é professora e na última vez que nos vimos, estava toda feliz, porque iria se casar. O noivo, ela contou na ocasião, conhecera havia pouco mais de seis meses em uma rede social. Só o que atrapalhava um pouco a relação era o ciúme dele, parecia possessivo demais. Mas ela acreditava que aquilo era um sinal de que ele a amava. Ela não podia sair sozinha, ele controlava até o que ela vestia e mandava dezenas de mensagens por dia, que precisavam ser respondidas logo, para que não houvesse uma discussão. Ela relevava tudo, afinal, acreditava que aquele ciúme era uma prova de amor.

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O que vou contar agora soube por amigos comuns. Ela casou-se em julho do ano passado. Nos primeiros meses ela parecia muito feliz. Só que o tempo foi passando e a felicidade diminuindo. Ela já não sorria mais como antes, disseram. Ia para a escola sempre de calça e blusa que escondiam o corpo. Até que um dia, ao escrever na parte inferior do quadro, a camiseta subiu e deu para perceber um grande hematoma nas costas. As alunas comentaram com outra professora, que contou para a diretora. Pressionada, ela contou a verdade: Não aguentava mais apanhar do marido, e não sabia o que fazer. Ele ameaçava matá-la se contasse a alguém, e ela tinha muito medo de que ele cumprisse a promessa.

Procuraram a polícia e ela fez a denúncia, mesmo com muito medo. Saiu de casa e está morando temporariamente com uma amiga, e vive angustiada. “Se você não for minha não será de mais ninguém”, costumava repetir o agressor. E a professora tem razão de estar preocupada. Só em 2016, um levantamento do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostrou que 4.657 mulheres foram mortas no país, sendo 585 ocorrências de feminicídio, 12,6% do total. Os casos, porém, ainda são amplamente subnotificados.

Desde 2015 o crime de feminicídio (homicídio qualificado envolvendo violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher) entrou para o Código Penal. Segundo a legislação brasileira, um homicídio simples pode ser punido com penas de seis a 20 anos de prisão. Em situações de feminicídio, a pena aumenta para 12 a 30 anos de cadeia, por ser considerado hediondo. No livro “A Paixão no Banco de Réus”, a autora e advogada criminal Luiza Nagib Eluf, diz que associar casos como esses à paixão, amor e ciúme foi um recurso encontrado por advogados de defesa, nos anos 1940, para que assassinos de mulheres fossem perdoados. “Ninguém mata por amor. O réu nunca é um apaixonado que se descontrolou. Ele é um homicida e assim deve ser tratado”, ressalta a especialista.

Sentimentos de posse e superioridade do homem em relação à mulher é o que gera assassinatos deste tipo, garante a advogada. “O ciúme deve deixar de ser visto como um sentimento bonito, passando a ser interpretado como algo torpe e perigoso. Quem sente ciúme acha que manda no corpo do outro. Ele não pode ser incentivado. Ninguém é dono ou propriedade de alguém”, ressalta.

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