Uma das coisas mais bonitas sobre as crises que vivemos é que elas nos exigem apenas o que podemos dar para elas, quando acontecem. Vivo dizendo que se uma angústia aponta na esquina é sinal de condição de começar a enfrentá-la.

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Estamos angustiados? Isso é um bom sinal de sanidade e força. Finalmente a preparação para as mudanças começa e em, nem sempre pouco tempo, o futuro não será mais como seria antigamente. 

Meu irmão tocava cavaquinho e depois do seu falecimento escutar Ave Maria na versão do Jorge Aragão – que já emocionava demais antes – foi e continua sendo arrebatador. Essa música quando toca parece cheiro da sandália Melissa – que nos leva para a infância – que, no caso da música, nos joga para a lembrança dele, de um jeito absolutamente profundo, sem exageros, nem dramatização. É uma dor que eu chamo de “dor nobre”. 

Qual é afinal a utilidade do exagero sobre a crise, se nela já reside o máximo possível e necessário de drama e de dor? Às vezes reflito se nos utilizamos da dor que temos, em benefício invertido da verdade que queremos promover – quando tocados pelo assombro cancelamos escolhas e compromissos, justificando-nos nessa crise que nos atordoa: “Não vou, não posso, não tenho condições”. Uma crise mal vivida ou mal interpretada às vezes é um “ainda bem que choveu e não tive que mentir sobre não querer estar no lugar para onde estava indo”. Será que temos desejado que o ruim aconteça para que o “bom para nós” encontre espaço?

Qual é afinal a utilidade do exagero sobre a crise, se nela já reside o máximo possível e necessário de drama e de dor?

Digo isso porque pouco mais de um mês depois da morte dele eu estava no carro quando Ave Maria tocou. Fiz silêncio, coloquei meus olhos no horizonte, e em comunhão com aquela harmonia visitei um tipo de tristeza diferente – sem característica, ela simplesmente era a presença do poderoso impacto da vida dele na minha. Desde aquele dia eu tento explicar o quanto a tristeza tem sua nobreza – mas ainda não consegui – e o quanto qualquer que seja a mudança que ela nos pede, não é a tristeza que impede o rumo das nossas vidas de seguir com seu passo. Minha sensação é a de que quando a tristeza cumpre sua tarefa – de nos amadurecer e acordar para a vida – ela não nos desvia das escolhas que já temos feito. Por que não ir onde eu disse que iria e na direção das coisas que sempre sonhei?

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Minha sensação é a de que quando a tristeza cumpre sua tarefa – de nos amadurecer e acordar para a vida – ela não nos desvia das escolhas que já temos feito.

Em conversa com Deus, em um dia que sentia medo sobre o futuro, Ele me disse: se o medo fosse útil para você, Eu pediria para que o usasse. Não torne teu caminho mais duro do que ele já é, fugindo das coisas que tens que fazer com o uso da fé. E naquela franca conversa com o Deus que me cativa e acolhe foi que entendi que por mais difíceis que sejam os caminhos por onde temos andado, que sigamos firmes, sem usar de desculpas ou do próprio título da dor que sentimos para justificar um seguir ou um parar, porque em toda tristeza já reside uma nobreza – e ela é, por si só, suficiente para o nosso caminhar.

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