A saúde, a economia e a felicidade do cidadão estão ligadas ao espaço habitado e compartilhado. Entretanto, as partes interessadas da comunidade raramente têm a chance de defender seus pontos de vista sobre os espaços públicos que compartilham, gerando uma desconexão entre a realidade urbana possível e a expectativa cidadã. Além disso, nem sempre o poder público consegue responder, sozinho, aos problemas e mudanças da cidade na velocidade necessária para o bem-estar da população, demandando a ação de outros atores urbanos.
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As consequências dessa desconexão, para a sociedade e para a administração pública municipal, se desdobram como baixo desempenho do lugar, pouco uso dos espaços públicos, esvaziamento das ruas, fragmentação social, marginalização, aumento da insegurança pública e dificuldades na zeladoria da cidade.
O placemaking tem ajudado a transformar lugares e a conectar as pessoas à comunidade que elas amam, mostrando o valor da participação cidadã nesta trajetória. Com uma abordagem centrada nas pessoas, o placemaking é um processo colaborativo adotado pelos membros de uma comunidade para melhorar a sua rua, vizinhança, bairro ou cidade.
Esse modo de “fazer o lugar” pode ser aplicado simplesmente em um terreno abandonado, na praça onde as famílias se encontram, na escola que precisa de reparos, na rua onde não há faixa de pedestre ou na calçada onde falta sinalização adequada. A pintura de um muro ou a inserção de parklets na calçada, onde as pessoas possam confraternizar, criando um clima receptivo, é um modo de fazer o lugar. A visão compartilhada pela comunidade pode ser ambiciosa, mas no placemaking as melhorias começam com pequenos passos, em pequena escala.
No Estados Unidos, uma técnica difundida nos últimos anos ficou conhecida como chair bombing, ou bombardeio de cadeira. Cadeiras contruídas em casa, geralmente com paletes descartados, são disponibilizadas em espaços públicos para aumentar a atividade social e a vitalidade do lugar. Essa técnica também é vista como uma forma de protesto contra a proibição de sentar ou deitar nas calçadas em algumas cidades americanas, o que geraria a privatização do espaço público.
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Ao mesmo tempo, o placemaking não é apenas uma forma de “consertar” lugares. Considerando a realidade local, esse processo capitaliza os recursos disponíveis na comunidade, como as competências de cada membro envolvido e a criatividade dos moradores, para adaptar, revitalizar ou reinventar os espaços para atingir todo o seu potencial. A matéria-prima utilizada, geralmente resgatada do abandono ou doada por partes interessadas, pode consistir em parklets, tinta, mobília, ferramentas de construção e montagem, entre outros utensílios. Com isso, o placemaking consegue atingir resultados rápidos e de baixo custo, beneficiando imediatamente as pessoas que utilizam os espaços.
Casos em que o poder público e entidades privadas surgem como apoiadoras não são incomuns, principalmente durante a pandemia de coronavírus, a qual estimulou adaptações nas ruas das cidades em todo o mundo, inclusive no Brasil. Um dos exemplos é a implantação do Corredor Gastrônomico e Cultural José Antônio, na região central de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Houve o alargamento de esquinas nos cruzamentos e de calçadas para criar “bolsões de permanência”, contando com a instalação de mobiliários, bancos, lixeiros, placas de sinalização, parklets, vegetação e outros elementos trazidos pelos moradores e comerciantes da região. Projeto similar é o “Ocupa Rua”, no centro da cidade de São Paulo, o qual envolveu diversos atores urbanos para instalar canteiros de plantas, mesas e cadeiras, onde as pessoas podem confraternizar respeitando as regras de distanciâmento social estabelecidas pelo governo.

O termo placemaking cresceu em popularidade nos últimos dez anos, com aplicações em diferentes países e cenários, mas não é uma ideia nova. Ainda nos anos 90 os fundadores do Project for Public Spaces divulgaram inúmeras iniciativas sob essa terminologia. Porém, muito antes disso, em meados dos anos 60 e 70 é que começaram a circular as ideias que inspiraram e deram origem ao placemaking.
Um bairro não é apenas um conjunto de edifícios. É uma rede de relações sociais e um refúgio de calorosa afeição para rostos familiares do dia-a-dia Jane Jacobs, ativista e urbanista
Foi nesse período que ativistas como Jane Jacobs e William Whyte surgiram defendendo a importância de se projetar cidades para as pessoas e as comunidades, deixando carros e negócios em segundo plano. Jacobs, especialmente, encorajou os cidadãos a se apropriarem das ruas, dos espaços públicos e a defenderem a vitalidade urbana.
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Quando as pessoas atuam em conjunto pela melhoria do espaço urbano, outros efeitos não tão evidentes quanto uma construção são obtidos, como o fortalecimento do senso de pertencimento da comunidade, o aumento da coesão social e, finalmente, a compreensão de que a atuação coletiva dos cidadãos pode transformar a cidade.
E qual o propósito do placemaking? Além da adaptação dos lugares às pessoas que o compartilham, criar coletivamente lugares que respondam às necessidades e expectativas dos cidadãos, ou seja, lugares onde eles realmente queiram viver, trabalhar, se divertir e aprender.
*Por Ágatha Depiné