Dias desses, o jornalista e ex-deputado federal Fernando Gabeira disse que na ausência de novelas inéditas na televisão, cujas produções estão suspensas por causa da pandemia do coronavírus, o Palácio do Planalto tem suprido essa lacuna. Na novela do governo Jair Bolsonaro, os capítulos de sexta-feira têm sido aguardados com muita expectativa – caso de hoje, com o desenlace da trama sobre o vídeo da reunião ministerial que o ex-ministro Sérgio Moro apontou como prova de que o presidente tentou interferir na Polícia Federal, justificativa dada para seu pedido de demissão.
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Foram duas semanas de suspense quanto ao conteúdo da reunião, com trechos de falas vazando ao longo dos dias. Como um autor de novelas consagrado, o ministro Celso de Mello, do STF, aumentou a carga dramática ao retardar até o limite da paciência dos telespectadores o suspense sobre a liberação do vídeo, que aconteceu no fim da tarde desta sexta-feira.
Fora da batalha de narrativas que continuará a todo vapor, com os bolsonaristas e os antibolsonaristas pinçando os pontos da reunião ministerial que reforçam suas teses, o vídeo revelado pelo STF tem uma verdade inegável: Jair Bolsonaro venceu as eleições para a presidência da República e vai governar diariamente sob a égide do discurso que o elegeu. Goste-se ou não desse discurso, um olho na bíblia, o outro na pistola, foi com ele que Bolsonaro chegou ao Planalto.
Ninguém pode dizer que foi enganado. No máximo aqueles que achavam que o boquirroto capitão reformado do Exército fosse se moldar ao cargo ou que seria tutelado pelas instituições. Bolsonaro é o presidente e vai exigir bolsonarismo total de quem estiver com ele, especialmente seus ministros. Vai tratar como inimiga a esquerda e seus militantes, vai chamar de “bosta” ou “estrume” seus adversários, vai defender e tentar viabilizar até o último dia de seu mandato o armamento da população. Goste-se ou não do estilo e das teses defendidas pelo presidente, ele tem essa legitimidade dada pela urna. Como disse aos próprios ministros, quem não gostar que espere 2022. Até aí, tudo dentro da regra.
Quem cruzou a linha foi o ministro da Educação, Abraham Weintraub, mais realista que o rei, defendendo a prisão de todos os ministros do STF, entre outras falas que talvez o presidente depois defina como “o Weintraub pode ter falado a maior merda do mundo”, como disse na reunião sobre outra explosão verbal do ministro. Talvez sua cabeça seja servida ao STF, enquanto o Centrão fica com tronco e membros do MEC. Veremos, no governo Bolsonaro nada é óbvio e previsível.
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Tivesse um marqueteiro político dirigido toda a cena da reunião ministerial, talvez ela não fosse tão positiva para o presidente. Ao seu estilo, reforçou tudo que disse na campanha eleitoral, deu munição para a militância, mas também fez uma rejeição clara à implantação de medidas de exceção como o AI-5 do regime militar. No mais, o vídeo incendia a tropa bolsonarista e deixa com o dobro de raiva quem já não gostava de Bolsonaro. Ressalte-se: uma pessoa com o dobro de raiva continua tendo um voto só.
O capítulo desta sexta-feira aumenta, assim, o barulho insuportável das vuvuzelas da polarização política. E deixa uma vítima agonizante: Moro, herói dos antipetistas por ter condenado o ex-presidente Lula (PT) à prisão, símbolo da Operação Lava-Jato, aparece como um tímido assecla durante toda a reunião. Leva broncas presidenciais calado, em um óbvio ambiente de fim de relação. Mas não há neste vídeo a clara interferência na Polícia Federal que o ex-ministro garantiu existir. Aguardemos os próximos capítulos, se essa trama ainda tiver algum.
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