A vice-governadora Daniela Reinehr rompeu com o governador Carlos Moisés, a quem chamou de traidor em entrevista ao colega Renato Igor na segunda-feira. O fato político é contundente e inédito na história recente de Santa Catarina. Mas, por incrível que pareça, nestes tempos da chamada nova política, representa muito pouco por si só.

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Moisés e Daniela eram semi-desconhecidos quando foram eleitos governador e vice a bordo de uma onda de renovação que dinamitou todas as lógicas políticas existentes até 2018. Os catarinenses, em ampla maioria, apostaram tudo na eleição de Jair Bolsonaro à presidência e carregaram para o poder quem compartilhava com ele o número 17 – pouco importando trajetória, histórico pessoal ou político.

Desde que ficou claro que Bolsonaro e Moisés não marchavam no mesmo passo, o que resultou no racha do PSL catarinense entre os bolsonaristas e os alinhados ao governador, era claro que a turma da vice-governadora era a do presidente. Em diversos momentos, ela foi insuflada pelos dissidentes do PSL a fazer o contraponto a Moisés. Algumas vezes o fez, especialmente na polêmica tentativa do governo catarinense de taxar os defensivos agrícolas e logo após as duas semanas em que ocupou interinamente o governo durante as férias de Moisés.

Nesses momentos, parecia que Daniela assumiria de vez a posição de anti-Moisés, uma liderança bolsonarista dentro do Executivo catarinense. No entanto, da mesma forma que se apresentava, a vice se recolhia em seguida.

Agora, mais uma vez, surge essa janela de exposição. A maior diferença veio no tom – a entrevista a Renato Igor, em que se diz traída por Moisés ter se afastado das diretrizes do governo Bolsonaro que elegeu a todos eles, mas também por ser mantida afastada das decisões de governo – tornou muito difícil uma reaproximação. Além disso, é o ponto culminante de posicionamentos antagônicos que a vice tomou publicamente desde a semana passada.

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Primeiro ela se manifestou em redes sociais de forma favorável ao afrouxamento das restrições impostas por Moisés para garantir o isolamento social contra o coronavírus. Foi ignorada. Depois, pediu o cancelamento do nebuloso contrato com dispensa de licitação para contratação da empresa que implantaria um hospital de campanha em Itajaí. Foi repreendida por Moisés, que a acusou de espalhar "fake news" em vez de se informar junto ao governo.

Pois aí o governador armou o palco para a vice. O contrato foi cancelado pelo próprio Moisés no dia seguinte à reprimenda que fez. Daniela posou de dona da razão – mesmo que sua pressão tivesse pouco efeito junto à decisão. As restrições foram afrouxadas na tarde de segunda-feira, dando mais margem à narrativa de que a vice-governadora estava certa.

Desde a vitória eleitoral do 17, em outubro de 2018, este é o maior momento de afirmação de Daniela Reinehr. Resta saber se mais uma vez ela vai se recolher ou se vai assumir esse protagonismo que o destino lhe apresenta. Como Moisés e Daniela foram eleitos na carona de um número, suas diferenças pessoais ainda tem pouco peso política.

Lembre-se dos tempos da velha política. Quando Raimundo Colombo (PSD) e seu vice Eduardo Pinho Moreira (MDB) se estranhavam, aquilo poderia representar o fim de aliança política entre fortes grupos políticos que se toleravam para governar juntos. Pinho Moreira representava o MDB, o maior partido do Estado. Se Luiz Henrique (MDB) e Leonel Pavan (PSDB) rompessem, o abalo político seria imediato. E assim vai.

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Governador do Estado, titular da caneta que diz sim e não às políticas públicas, Moisés representa o poder. Por enquanto, a vice-governadora representa só a si mesma – o máximo que o racha entre eles faz é aproximá-la ainda mais dos bolsonaristas que já detestam o governador e afastá-la de vez das reuniões que importam no Centro Administrativo. Para ir além, precisa continuar a conquistar os adversários do governador com posicionamentos nas redes sociais – e aproveitar bem os tropeços de Moisés.