A Operação Lava Jato deixou muitos cadáveres no mundo da política. Diversas lideranças foram punidas nas urnas pelo eleitor pelo envolvimento revelado com as entranhas mais putrefatas da relação entre políticos e doadores de campanha – Odebrecht à frente. Entretanto, apenas uma liderança de porte nacional foi quase que sumariamente proibida de ter seu comportamento e possíveis crimes expostos ao eleitor para julgamento político. Apenas o ex-presidente Lula (PT) foi excluído das eleições, impedido de perder ou ganhar.
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Moro agiu com parcialidade em caso contra Lula, decide STF
Isso só aconteceu porque o ex-juiz Sérgio Moro tomou a punição do ex-presidente da República como causa pessoal, como troféu, abusando das posições e das prerrogativas de magistrado. E foi isso que a segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu nesta terça-feira, em um julgamento apertado, cheio de reviravoltas e definido por 3 votos a 2: Moro agiu com suspeição ao julgar o petista e ele merece um julgamento isento.
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É curioso que o mesmo Supremo tenha permitido por tanto tempo esse comportamento que agora condena. Era conveniente e popular defender a Lava Jato, era temerário ir contra a popularidade da operação – especialmente a base curitibana, nas mãos do até então herói impoluto Sérgio Moro. Fora uma ou outra crítica dos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, a Lava Jato avançou como quis e colheu seus frutos.
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Dois ingredientes mudaram completamente esse cenário e permitiram que o Supremo se impusesse contra a Lava Jato. Primeiro, a vaidade de Moro ao aceitar ser ministro do governo Jair Bolsonaro (sem partido). Estava formado o argumento de que o ex-juiz entrou para o ministério do presidente que ajudou a eleger ao tirar do caminho o mais forte adversário. A peça que faltava para fechar a narrativa petista de que Lula era vítima de um magistrado imparcial.
O segundo ingrediente foi o que já chamei de rompimento da aliança entre o bolsonarismo e o partido da Lava Jato. O momento em que Moro deixou o ministério, em abril do ano passado, acusando Bolsonaro de mudar a cúpula da Polícia Federal para ter acesso privilegiado a investigações no Rio de Janeiro. Naquele momento, Moro tentou implodir o governo e ocupar o espaço de Bolsonaro como líder antipetista e anticorrupção.
Na prática, perdeu os bolsonaristas – responsáveis pela parte mais ruidosa da defesa de Moro e da Lava Jato quando o site The Intercept começou a divulgar as impróprias conversas vazadas entre o ex-juiz e os procuradores responsáveis pela investigação – Deltan Dallagnol à frente.
De dia para a noite, Moro passou a ser inimigo de petistas e de bolsonaristas. Fragilizado, abriu flanco para o avanço e a reviravolta no julgamento de suspeição pedido pela defesa de Lula ainda em 2018. Lavajatista, o ministro Edson Fachin tentou no início de março uma manobra ousada ao anular as condenações do petista por questão de competência e assim evitar que toda a operação fosse maculada pela decisão de que Moro era parcial em sua condução.
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Não foi suficiente, Mendes havia segurado por quase dois anos e meio o julgamento da suspeição com um pedido de vista e estava pronto para fazer dele o palco de sua desforra. Diante do empate, duas semanas atrás, a definição ficou nas mãos de Nunes Marques, o único ministro da corte nomeado por Jair Bolsonaro em um acerto com os partidos do centrão. Nos últimos dias, ficou a dúvida sobre se o novo ministro fulminaria Moro ou defenderia a Lava Jato. Na hora de votar, nesta terça-feira, optou por rejeitar a suspeição.
Seria a tese vitoriosa se Cármen Lúcia não decidisse mudar sua posição expressa ainda em 2018, quando não estava claramente desenhado o cenário para a derrocada de Moro. A magistrada, também considerada lavajatista, fez um voto cirúrgico para tentar separar a conduta de Moro com Lula e as demais decisões da Lava Jato. Também fez questão de ignorar as argumentações baseadas nas polêmicas conversas interceptadas por hackers e focar em atos de Moro no próprio processo. Com assepsia, culpou o ex-juiz, encerrou a questão sobre o ex-presidente e salvou o que podia da operação que mudou a política brasileira.
O epílogo deve ser dar em 2022. Lula será julgado nos tribunais, mas dificilmente haverá tempo para – caso condenado – seja impedido de disputar a eleição presidencial. Seu maior julgador será o eleitor, em uma disputa que tem tudo para polarizar com Bolsonaro. O atual presidente também sai inteiro da decisão desta terça-feira: se Nunes Marques, seu indicado, tivesse votado contra a Lava Jato, essa decisão poderia ser colocada em seu colo. Não será. Os bolsonaristas poderão continuar a culpar os demais ministros do STF por todos os problemas dentro e fora do governo do capitão.
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