Antes de mais nada, uma saudação ao jornalismo profissional – especialmente aos colegas que anteciparam a iminência do pedido de demissão de Sérgio Moro do Ministério da Justiça e foram acusados de produzir fake news. Em muitos casos, acusados por quem tem hábito de produzir fake news. Fica o registro, agora que Moro não apenas deixou o governo Jair Bolsonaro, como levou com ele um dos pilares da narrativa bolsonarista – o combate implacável à corrupção, simbolizado na própria nomeação do juiz que se tornou o rosto da Operação Lava Jato ao levar à prisão o ex-presidente Lula (PT).
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O ex-juiz e agora ex-ministro Sérgio Moro anunciou sua demissão jogando uma bomba no colo do presidente Bolsonaro – em um estilo que lembra as delações premiadas que marcaram a Lava Jato. Antes que o staff bolsonarista tivesse tempo de bolar uma narrativa desabonadora a sua conduta ou desempenho no Ministério da Justiça, ele apresentou claramente os motivos que o fizeram desembarcar do governo que no final de 2018 o seduziu a abandonar 22 anos de magistratura. Não era apenas uma questão de trocar ou não Maurício Valeixo, agora ex-diretor da Polícia Federal. Moro disse e repetiu que pediu ao presidente um motivo. E o máximo que teria extraído, segundo ele, foi que o presidente queria um diretor e superintendentes da PF para os quais pudesse ligar e cobrar informações privilegiadas. O ex-juiz chegou a dizer que nem no governo de Dilma Rousseff (PT), “com inúmeros defeitos e casos de corrupção”, houve tamanha tentativa de interferência e tutela nas investigações.
Moro desarmou outra narrativa – e mais uma vez com gravíssima acusação -, a de que Valeixo deixou a direção da PF porque quis. Durante toda a manhã, bolsonaristas compartilharam o ato de exoneração publicado no Diário Oficial da União ressaltando o que ali dizia: que a demissão fora consumada “a pedido”. O ex-ministro ressaltou que o desejo de Valeixo deixar o cargo vinha justamente das pressões para que saísse e garantiu que não houve pedido formal para exoneração – ele mesmo não havia assinado a demissão do subordinado. Seria uma fake news publicada em diário oficial?
Quando Jair Bolsonaro foi buscar Moro para o Ministério da Justiça, sabia que trazia um símbolo, um nome indemitível – pela crise imediata que resultaria desse ato. Em troca, o então juiz algoz de petistas pediu carta branca para nomear sua equipes. Diversas vezes no pronunciamento do final da manhã desta sexta-feira ele lembrou dessa promessa e deixou clara que fora quebrada. Ao longo do primeiro ano de governo, isso já ficara claro quando Bolsonaro disse que tinha “poder de veto” sobre a autonomia de Moro.
Até agora, o paranaense aceitara calado – aparentando resignação – as interferências do chefe. Em breve deveremos saber como esse caldo entornou e quais são os temores que levam o presidente da República a querer ter mão de ferro sobre a PF neste momento. Antes de começar seu pronunciamento de despedida, Moro lamentou fazer parte de uma crise política no dia seguinte ao Brasil confirmar 407 mortes causadas pelo covid-19.
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É a crise do coronavírus, a crise do Brasil real tão negada nesses tempos de batalha de narrativas nas redes sociais, de fake news. Soma-se a ela essa espécie de rompimento entre duas forças populares que se uniram na vitória de Jair Bolsonaro em 2018: o Partido da Lava Jato e o Partido do Contra Tudo Isso Que Tá Aí, Tá OK. Os efeitos desse racha são uma história ainda a ser contada, mas com a certeza de que a partir de hoje, 24 de abril de 2020, começa outro governo Bolsonaro. Um governo ainda mais imprevisível.