Era insustentável a permanência de Helton Zeferino na Secretaria de Saúde diante da repercussão negativa da nebulosa compra de 200 respiradores por R$ 33 milhões. Já o seria em tempos normais, imagine em meio a uma pandemia em que caberia a ele liderar as ações da pasta mais exigida neste momento dramático.
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O pedido de exoneração foi anunciado no final da noite de quinta-feira, véspera de feriado, dois dias depois de a Assembleia Legislativa aprovar uma CPI para investigar a compra dos respiradores e um requerimento pedindo o afastamento de Zeferino. O governador Carlos Moisés (PSL) inicialmente bancou a permanência do secretário – colega de farda, bombeiro militar como ele.
Mesmo quando teve que assumir, terça-feira, que não tinha respostas a oferecer sobre o negócio suspeito e que por isso determinara abertura de sindicância para investigar a operação, Moisés o fez ao lado de Zeferino. Criou a inusitada cena em que colocava Polícia Civil, Controladoria-Geral do Estado (CGE) e Procuradoria Geral do Estado (PGE) para apurar a conduta do secretário que prestigiava. Era insustentável – oficialmente foi o próprio Zeferino que pediu para deixar o cargo para tentar impedir que sua presença neste momento atrapalhe o que mais importa, que são as ações da secretaria no combate à pandemia.
A exoneração, no entanto, não fará o governo Carlos Moisés parar de sangrar politicamente. O pesselista já vinha sofrendo com a perda de sustentação na Assembleia Legislativa por críticas à forma como conduz o Estado em meio à crise do coronavírus. Os parlamentares, mesmo aqueles que era mais próximos do Centro Administrativo, reclamavam de centralização das decisões e que o governador não os escuta. Os adversários, por sua vez, organizaram-se para fazer o combate sistemático – seja pela aprovação de projetos na omissão do governo em relação à medidas para minimizar o impacto das restrições sociais sobre a economia, seja na pressão – geralmente de viés bolsonarista – para revogação dos decretos que ainda garantem algum isolamento.
Agora, no entanto, Moisés é criticado naquilo que vinha sendo sua fortaleza: a ideia de um governo técnico, livre da politicagem e da corrupção. Um governo que criou estruturas como a CGE e a Secretaria de Integração e Governança justamente para atacar ainda no Poder Executivo os possíveis malfeitos. Um governo que contava com a simpatia de órgãos de controle externo, especialmente em suas equipes técnicas. Esse flanco será muito explorado na Assembleia pelos adversários de Moisés – cada vez menos discretos.
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A CPI dos respiradores será um palco evidente neste momento – com maioria oposicionista e a provável participação do autor do requerimento, Ivan Naatz (PL), como relator. Devem ser chamados o ex-secretário, outros nomes do governo, a antiga superintendente de gestão administrativa da Saúde – afastada pelo governo quando as perguntas sobre a operação ficaram incômodas – empresários que participaram da veloz negociação que levou à compra dos aparelhos que ainda não chegaram, mas já foram pagos.
Paralelamente, a comissão especial criada para fiscalizar os atos do governo durante a pandemia também vai buscar seus holofotes. Foi nela que o deputado estadual Bruno Souza (Novo) pediu e foi aprovado unanimemente o requerimento sugerindo o afastamento de Zeferino. Presidente da comissão, Marcos Vieira (PSDB) disse que a compra apresentava “uma série de erros administrativos imperdoáveis” que nem mesmo a entrega dos respiradores sanaria. Esse grupo deve passar um pente fino em todos os processos de compras realizados na pandemia.
A saída de Zeferino na noite de quinta-feira era inevitável, mas não tem o poder de conter, por si, o inferno astral político do governo Moisés. É a crise política dentro da crise pandêmica. É Santa Catarina cada vez mais parecida com Brasília.
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