O Ato Institucional Número 5 (AI-5), citado por Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) como possível resposta a uma radicalização da esquerda, deixou marcas na história do Brasil. Foi o instrumento que viabilizou o período mais repressivo do regime militar que governou o Brasil de 1964 a 1985. Essas memórias, claro, passam por Santa Catarina.

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É possível dizer que o AI-5 começou em Florianópolis alguns dias antes do 13 de dezembro de 1968. Mais precisamente, no dia 4 daquele mês, quando alguns estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina foram levados presos sem mandado ou qualquer decisão formal. Uma delas, Derlei Catarina de Luca, teria ouvido a justificativa do então secretário de Segurança, Paulo Vieira da Rosa, o general Rosinha.

– Vem o presidente da República e nós não queremos confusão na cidade. As únicas pessoas que podem aprontar confusão são vocês, então é para prevenir.

No dia 5, oito dias antes de assinar o ato institucional que faria do regime militar passar de "ditadura envergonhada" para "ditadura escancarada" – nos termos do jornalista Elio Gaspari em sua série de livros sobre o período – o presidente marechal Arthur da Costa e Silva veio a Florianópolis para ser paraninfo da turma de formandos de Farmácia e Bioquímica da UFSC.

O grupo de estudantes levado na véspera por homens fardados – na moradia estudantil, na fila do restaurante universitário, em suas casas ou locais de trabalho – vinha distribuindo panfletos convocando protestos em frente ao Teatro Álvaro de Carvalho, onde transcorreria a cerimônia. Não houve protesto. Costa e Silva foi recebido pelo governador Ivo Silveira no palácio do governo – hoje Museu Cruz e Souza – e de lá seguiram a pé ao teatro. Os estudantes foram soltos às 16 horas, quando o presidente deixou a capital catarinense.

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O episódio foi uma pequena e tênue amostra do que estava por vir. No dia 13, o AI-5 deu instrumentos para que a repressão aos adversários do regime militar perdesse qualquer limite institucional. Naquela noite, a polícia entrou no Diretório Central dos Estudantes da UFSC. O medo causado pelo anúncio do AI-5 já havia muitos deixarem o local e até suas casas, mas dois estudantes ainda estavam lá e foram levados. Um deles viria a ser eleito prefeito de Florianópolis em 1992, Sérgio Grando.

Mas foi um prefeito em pleno exercício do cargo um dos maiores símbolos da repressão oficializada pelo AI-5 em Santa Catarina: Higino João Pio, primeiro prefeito de Balneário Camboriú, foi levado de casa em 19 de fevereiro de 1969 em uma caminhonete sem identificação conduzida por por policiais do DOPS – Departamento de Ordem Política e Social. Passados 12 dias, a família recebeu a notícia de que ele havia se suicidado em um prédio da Marinha em Florianópolis.

Higino Pio foi encontrado morto com as pernas eretas, os pés tocando o chão, os braços ligeiramente curvados, o queixo apoiado em uma saliência da parede de azulejo do banheiro do camarote do capelão, na Escola de Aprendizes de Marinheiros. Ao redor de seu pescoço, o rosto virado para a parede, um arame firmemente amarrado, com um nó fixo, preso fragilmente com duas voltas a um registro de água a dois metros de altura. O caso foi considerado oficialmente suicídio durante 45 anos, até a reavaliação pela Comissão da Verdade levar os peritos que analisaram o material disponível a considerar a cena da morte do prefeito mais forjada que a do suicídio do jornalista Vladimir Herzog – um dos casos emblemáticos do daqueles anos de chumbo.

No caso de Higino Pio estão todas as digitais do AI-5 . A prisão por motivação política, a suspensão dos habeas corpus, a possibilidade de a União intervir – sob pretexto de “segurança nacional” – em Estados e municípios nomeando interventores no lugar de governadores e prefeitos eleitos. Balneário Camboriú passou um ano sob comando de um interventor – que não encontrou provas de algum desvio de conduta do prefeito capturado pelo regime e nunca devolvido a sua cidade.

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A criminalização da oposição política levou ao fechamento do Congresso Nacional das assembleias legislativas estaduais por quase um ano. Em Santa Catarina, a volta dos trabalhos do Legislativo foi marcada pela cassação de cinco deputados estaduais – Evilásio Nery Caon, Fernando Viegas de Amorim, Genir Destri, Manoel Dias e Waldemar Sales. O AI-5 dava ao presidente da República o direito de decretar a suspensão dos direitos políticos dos cidadãos considerados subversivos, privando-os por até dez anos da capacidade de votação ou de eleição.

(alguns dos relatos que fazem parte deste texto têm como origem o trabalho de conclusão de curso do jornalista Mateus Vargas sobre as ações do regime militar na UFSC. Leia a íntegra)

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