Uma das discussões que se vive a cada processo de impeachment é sobre uma suposta oposição entre o julgamento político e o julgamento técnico. A palavra técnico, nessas horas, ganha uma espécie de nobreza, uma pureza, uma imunidade às coisas ruins da política. Na prática, dificilmente se confirma essa diferença e a sociedade costuma levar pouco tempo para perceber que um “secretariado técnico” é um secretariado, que quem pediu votos na condição de técnico já havia virado político no momento em que abordou pela primeira vez um eleitor.

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Voltando ao impeachment e em especial ao processo contra o governador Carlos Moisés (PSL) e a vice-governadora Daniela Reinehr (sem partido) pelo supostamente irregular pagamento da verba de equivalência aos procuradores do Estado, estamos no momento em que essa oposição político/técnico mais aparece nas narrativas, especialmente as de defesa. Por isso ganhou tanta força o julgamento do mandado de segurança da associação dos procuradores do Estado que seria analisado na última quarta-feira pelo Grupo de Câmaras de Direito Público do Tribunal de Justiça. Como trata do mesmo tema que é justificativa para o impeachment, ganhou eco a ideia de que o Tribunal Misto de deputados e desembargadores que vai analisar o afastamento de Moisés e Daniela no próximo dia 23 de outubro deveria aguardar a conclusão daquela outra decisão.

O argumento é básico: pode-se afastar governador e vice pela concessão de um benefício que o TJ-SC ainda não considerou legal ou não. Seria uma decisão técnica a balizar o julgamento político-técnico do Tribunal do Impeachment. Sobre isso, é importante dizer algo em alto e bom som: queiram ou não, o impeachment é um julgamento político. A lei de 1950 que normatizou o instrumento foi criada por políticos, para julgar políticos e com políticos como julgadores – o Senado no caso da presidência da República. Na ausência de senados estaduais (ainda bem), criou-se esse tribunal misto que convoca desembargadores. Um desembargador no Tribunal do Impeachment é como um cidadão chamado a um tribunal de júri – traz sua cabeça, não seu título.

O segundo ponto, muito importante, é que o crime de responsabilidade não é exatamente um crime. Ou melhor, é um crime político. Mesmo que não haja ações ou deliberações do acusado, é julgado de forma – política – como o governante se comportou no caso. É isso que desvincula o julgamento do impeachment atual da análise do mandado de segurança dos procuradores. 

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A decisão do TJ-SC, para o lado que for, poderá ser contestada em tribunais superiores e se arrastar por anos. Isso não foi levado em conta pelo governo estadual quando tratou como líquido e certo um pagamento aos procuradores que custa R$ 7,5 milhões por ano na folha de pagamento e o concedeu de forma precária. Avisado, ignorou. Acusado, defendeu o ato em vez de suspendê-lo. Agiria da mesma forma se fosse uma gratificação pleiteada por uma carreira de menos peso político que os procuradores do Estado? Olhe só, a política se meteu na frase. Ela sempre se mete.

Daniela no jogo

Com fé no Judiciário e no bolsonarismo, Daniela está na luta para virar governadora
Com fé no Judiciário e no bolsonarismo, Daniela está na luta para virar governadora (Foto: Júlio Cavalheiro, Secom/Divulgação)

Se na política são praticamente nulas as chances da vice-governadora Daniela Reinehr (sem partido) sobreviver ao processo de impeachment e herdar o governo estadual com a provável queda de Carlos Moisés (PSL), no Judiciário a alternativa não está descartada. Ela apresenta mais condições do que Moisés de convencer os cinco magistrados do Tribunal do Impeachment de que merece continuar no cargo. Enquanto isso, ela continua se movimentando para engajar a base bolsonarista. Quarta-feira, foi ao encontro do ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), no lançamento do edital para a concessão dos parques nacionais de Aparados da Serra e Serra Geral, em Cambará do Sul – no lado gaúcho dos cânions.

Moisés na torcida pelo fim da pensão…

Durante a semana, o governo de Santa Catarina apoiou a posição do procurador-geral da República, Augusto Aras, que questiona no Supremo Tribunal Federal (STF) o pagamento de pensões aos ex-governadores catarinenses. Carlos Moisés (PSL) foi às redes dizer que espera que a corte dê fim ao pagamento. No entanto, poderia tomar a iniciativa. É o que defende o deputado estadual Padre Pedro (PT) desde que conseguiu aprovar em 2017 a emenda que revogou o artigo da Constituição Estadual que previa o benefício. Na época, o governo Raimundo Colombo (PSD) entendeu que deveria manter os pagamentos aos que já recebiam, no que foi seguido por Eduardo Pinho Moreira (MDB) e pelo próprio Moisés.

…mas não precisava só torcer

O argumento jurídico de Padre Pedro é que sem o artigo, não há legislação que baseie o pagamento de um benefício já considerado inconstitucional em outros Estados. O argumento prático, no entanto, é de que se os ex-governadores beneficiados acreditam que merecem continuar recebendo, eles que passem pelo desgaste de acionar o Judiciário para manter a aposentadoria. Se é para entrar nessa briga, Moisés poderia fazê-lo desde já – se quisesse.

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Alerta

Não precisou de muito tempo para ficar claro os riscos da campanha eleitoral em meio a uma pandemia que ainda não acabou. Os testes positivos para covid-19 de Gean Loureiro (DEM-Florianópolis) e Antônio Lemos (Republicanos-São José) – ambos precisaram ser internados – e a suspeita, felizmente não confirmada, de Ivon de Souza (PSL-Palhoça) mostram a todos os candidatos que os cuidados precisam ser levados muito a sério. É hora de reinventar o pedido de voto.

Concisas

– Alguém tem que avisar os candidatos que pai, mãe e filhos no horário eleitoral só agrada pai, mãe e filhos.

– O deputado federal Daniel Freitas (PSL) se engajou na candidatura de Júlia Zanatta (PL) em Criciúma. Semana passada escrevi que ele estava sumido. E estava. Agora, engajou.

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