A reforma da Ponte Hercílio Luz é o grande monumento à falta de planejamento, zelo e eficiência no uso do dinheiro público em Santa Catarina. É, também, uma das mais complexas obras de engenharia em andamento no Planeta Terra, inédita na execução e nos resultados. Sempre que se fala da polêmica obra que incomoda os catarinenses desde a primeira interdição, em 1982, esses dois aspectos precisam ser levados em conta.
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Em seu relatório na CPI que investiga a história da obras na Ponte Hercílio Luz desde os anos 1980 até agora, praticamente às vésperas de sua reabertura, o deputado estadual Bruno Souza (Novo) foi exímio e detalhista na exumação de erros técnicos, incompetências, malfeitos e indícios de corrupção ao longo dos diversos contratos para manutenção e reforma da histórica ponte.
É um mérito: está registrada e historicizada uma sucessão de causas e consequências que explicam o que aconteceu em tantos anos de descaso. Nomes são apontados, empresas são citadas, valores são descritos, punições são sugeridas. Em certo momento, Bruno Souza diz que aponta supostos crimes que podem já estar prescritos, mas avoca-se à condição de uma espécie de Comissão da Verdade sobre o que houve na Ponte Hercílio Luz – cita as investigações que buscaram jogar luz sobre regime militar vivido no Brasil entre 1964 e 1985 como “prova de que o conhecimento da verdade possui, por si, um valor”.
No entanto, a balança do relator pesou apenas o monumento ao desperdício que caracterizou a maior parte desses anos de ponte fechada e esqueceu-se de ponderar o gigantismo e ineditismo da obra quase concluída. O indiciamento do ex-governador Raimundo Colombo (PSD) reescreve a história e dá cores políticas a uma relatório quase impecável. Como se o parlamentar do Novo precisasse de um nome de evidência política para coroar o trabalho – e, quiçá, conquistar os holofotes de um pré-candidato a prefeito de Capital. Não precisava.
A história da reforma da Ponte Hercílio Luz tem um antes e um depois que o próprio relatório de Bruno Souza explicita: até a entrada da empreiteira portuguesa Teixeira Duarte, com dispensa de licitação, as obras de reforma não eram prioridade dos governos de plantão e/ou estavam sob as mãos de quem não tinha condições de arcar com tal responsabilidade – em especial, o Consórcio Florianópolis Monumento, liderado pela Espaço Aberto, contratado em uma licitação muito mal explicada no segundo mandato do governador Luiz Henrique da Silveira (PMDB). Todos os indícios de direcionamento e de que o Consórcio não tinha competência técnica para tocar a obra estão no relatório de Bruno Souza.
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Sobre Colombo, herdeiro dessa bomba-relógio, o relator questiona a demora na rescisão do contrato, especialmente um aditivo assinado no início do primeiro mandato. Na CPI, o ex-governador alegou que a cautela foi necessária para que o rompimento fosse feito com a segurança jurídica que garantiu ao Estado, posteriormente, vencer a Espaço Aberto na Justiça. A contratação da Teixeira Duarte, com dispensa de licitação, foi anunciada de antemão, em acordo com os poderes e órgãos fiscalizadores, na tentativa de impedir que a obra caísse novamente em mãos sem perícia para um desafio de engenharia que desperta interesse no mundo todo. Governar é tomar decisões. Colombo, sempre tão cobrado, muitas vezes corretamente, por demorar a decidir, neste caso tomou a decisão que hoje garante a festa de reabertura marcada para dia 30 de dezembro.
É injusto que o único governador apontado pela CPI da Ponte como autor de crime entre todos os que passaram desde 1982 seja aquele que conseguiu tirar os aventureiros da Hercílio Luz e fazer daquele monumento ao desperdício uma obra admirável.