Por mais que estivesse em todas as previsões e que o próprio governo tenha abdicado de conquistar os votos necessários para evitar a aprovação da abertura do segundo processo de impeachment, é emblemático demais observar o painel eletrônico da Assembleia Legislativa apontando que apenas dois dos 40 deputados estaduais votaram a favor do governador Carlos Moisés (PSL). É o retrato de um governo que não esboça qualquer capacidade de reação política para sobreviver.
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O placar com 36 votos a favor do segundo processo de impeachment, dois contrários, uma ausência e a abstenção do presidente Júlio Garcia (PSD) mostra explicitamente um governo que já acabou, mesmo que continue. Explico o aparente paradoxo: as derrotas do governador na Assembleia não garantem a efetiva conclusão de um dos processo de impeachment, mas indicam um futuro sombrio – se houver futuro.
É possível que Moisés sobreviva ao tribunal montado para julgar o aumento salarial dos procuradores, que deve votar seu afastamento e o da vice-governadora Daniela Reinehr (sem partido) nesta sexta-feira. É possível, também, que ele sobreviva ao segundo Tribunal do Impeachment, ainda a ser formado, específico para o caso da compra dos respiradores fantasmas. Só é possível, no entanto, porque ambos os tribunais mistos contam com seis desembargadores contrabalançando os votos de cinco deputados. Apenas um voto de magistrado, em um dos dois casos, afasta Moisés do governo estadual para um julgamento de até 180 dias em que é necessário que pelo menos dois desembargadores se somem aos cinco deputados para a efetivação do impeachment.
Assim, é nos magistrados que Moisés se agarra para sobreviver. Digamos, então, que sobreviva. Digamos que as placas tectônicas da política catarinense tenham se movido de forma inédita para destituir um governador com concordância ampla e suprapartidária do Legislativo e que todo esse movimento seja barrado pelos representantes do Judiciário. É possível. Mas, depois, que meios terá para Moisés de reconquistar apoio mínimo no parlamento para efetivamente governar o Estado? Na já histórica sessão de terça, apenas a líder do governo Paulinha (PDT) e o colega de farda Coronel Mocellin (PSL) mantiveram a fidelidade. Mesmo que Vicente Caropreso (PSDB) não tivesse se ausentado por questão de saúde e mantivesse a lealdade, não diminuiria o peso derrota da esmagadora no plenário.
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Entre a sessão de 17 de setembro, quando contou com seis votos favoráveis, e a de agora, houve uma mudança brutal de estratégia por parte do governo Moisés. Na primeira votação, houve um esforço com uso instrumentos até então inéditos por parte do governo por conquistar apoio político e os 14 votos necessários para barrar o primeiro pedido de impeachment. Todas as armas foram usadas, especialmente o peso do apoio do PSL para candidaturas a prefeito aliadas de parlamentares indecisos. Não foi suficiente. Desde então, todo o foco da salvação de Moisés girou para o lado jurídico: seja pela fé nos votos dos desembargadores do Tribunal do Impeachment, seja pelo julgamento do mandado de segurança no Tribunal de Justiça sobre a legalidade do aumento dado aos procuradores, seja por pedidos de liminar impetrados aqui, ali e acolá.
A Assembleia passou a ser oficialmente um território inimigo, onde seria inútil qualquer tratativa, o bunker do grande antagonista de Moisés em toda essa crise política: o presidente Júlio Garcia. Na narrativa governista, é ele o articulador do impeachment de Moisés e Daniela como forma de se proteger das denúncias do Ministério Público Federal (MPF) na Operação Alcatraz. É uma narrativa eloquente para as redes sociais, capaz até de minar as condições políticas de um possível governo interino tocado pelo pessedista. No entanto, uma estratégia que isolou ainda mais Moisés e que uniu a Assembleia de uma forma nunca antes vista. Na terça, os deputados sinalizaram ao Estado e – especialmente – ao Tribunal de Justiça, que estão ainda mais unidos e coesos em relação à posição política de dar fim ao governo Moisés.
É por isso que repito a pergunta. É possível que Moisés sobreviva na sexta-feira, é possível que sobreviva ao segundo Tribunal do Impeachment. Pouco provável, mas possível. No dia seguinte, no entanto, restarão quase dois anos de um governo que queimou todas as pontes com o parlamento e com a política. Pior, um governo que não demonstra entusiasmo, talento ou capacidade para fazer essa reconstrução.
Santa Catarina não merecia passar por isso, mas a verdade é que não há no horizonte do Estado um caminho que não seja traumático: seja a continuidade de um governo que falhou na política, como o de Moisés; seja a imprevisibilidade de um governo com ainda menos respaldo, como o da vice-governadora Daniela Reinehr; seja pela falta de legitimidade da votação popular majoritária e da sangria promovida pela Alcatraz que deve marcar um governo Júlio Garcia. Santa Catarina, rogai por nós.
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