Algumas vezes a gente vê a história acontecer diante dos olhos. É bom aproveitar esses momentos. Sob um sol inclemente, no final da manhã desta segunda-feira, 30 de dezembro de 2019, a história aconteceu diante dos olhos de quem viu uma multidão reinaugurar a Ponte Hercílio Luz. E dos meus.
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Toda a celebração que marcou a manhã, os breves discursos do governador Carlos Moisés (PSL) e do prefeito florianopolitano Gean Loureiro (DEM), o belo desfile de carros antigos, tudo isso foi mero pedágio para a verdadeira festa: a das pessoas. Milhares de pessoas invadiram… minto, não é invasão se houve o convite. Milhares de pessoas tomaram a ponte – ou melhor, retomaram – antes mesmo do fim da solenidade, começando a cruzá-la pelas passarelas.
Ao fim do desfile, a multidão preencheu a pista central que depois do dia 13 de janeiro será novamente devolvida aos veículos – inicialmente para ônibus do transporte coletivo. Era um reencontro esperado, ansiado, reclamado. Aconteceu.
A maioria nunca havia atravessado a ponte, acostumara-se a ver nela mero monumento ao desperdício do dinheiro público. É possível que algumas delas tenham em algum momento defendido que fosse desmontada, implodida, esquecida. Nesta segunda-feira, sorriam sobre a ponte devolvida.
As pessoas mais velhas, que viveram a ponte em uso, faziam comparações. Algumas achavam que a Hercílio Luz estava balançando mais, outras garantiam que não, que sempre foi assim. É bom que balance, ruim é se não balançar, dizia um engenheiro amador. Saí de lá com a sensação de que a ponte não balança – ela dança.
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É bonito ver as famosas barras de olhal deslocando-se ao sabor do vento sem que isso desperte o medo de uma tragédia. Aliás, a tragédia anunciada da famosa ponte catarinense só não aconteceu porque o destino não quis. O destino quis ver sua gente cruzando orgulhosa a ponte pênsil que nasceu de um sonho quase delirante de um governador que queria fazer de Florianópolis uma cidade digna de ser reconhecida como capital de Estado.
Foi além, Hercílio Luz, o governador. A obra mudou Santa Catarina de patamar diante do Brasil. A acanhada capital ganhou respeito, ganhou maiúscula. Permaneceu. Sua restauração é outro assombro, outro delírio. Custou caro. Há indícios de que muita gente beneficiou-se por anos de imperícias, incompetências, protelações, falta de respeito à história e ao dinheiro catarinenses. Não será esquecido – cobraremos o Ministério Público de Santa Catarina -, mas é preciso ressaltar também a dimensão de uma obra sem igual no mundo.
As peritas mãos portuguesas aliadas a trabalhadores de vários cantos do Brasil assumiram o delírio de reformar uma ponte trocando mais de metade de suas peças enquanto uma estrutura provisória a mantinha em pé. Que angústia a cada transferência de carga, que alívio quando ela voltou a sustentar o próprio peso sozinha, em agosto. Foi o início da contagem regressiva que se encerrou na manhã desta segunda-feira, dia 30 de dezembro de 2019, quando eu, você, todos nós, reinauguramos a Ponte Hercílio Luz.
Fizemos história.