Como se faz um impeachment? A pergunta vem a calhar numa segunda-feira em que a palavra voltou a ganhar destaque em todo o país com a indicação ao Oscar do documentário Democracia em Vertigem. Em Santa Catarina, mais ainda, por causa do pedido de impedimento do governador Carlos Moisés (PSL) e da vice Daniela Reinehr (PSL), hoje no exercício do cargo, que brotou na Assembleia Legislativa.
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Pela Constituição para um impeachment basta um crime de responsabilidade julgado pelo parlamento – o Senado para presidentes da República, a Assembleia no caso dos governadores. Na prática, os exemplos recentes – inclusive o da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) que motivou o documentário oscarizável – mostram que existe uma conjunção de fatores muito maiores do que a possível irregularidade.
Mais do que o suposto crime de responsabilidade, um impeachment depende de perda de apoio político e da sociedade. Governos bem avaliados e/ou com forte apoio parlamentar matam no peito as mais graves denúncias. Os frágeis, sucumbem diante de qualquer pedalada fiscal.
O pedido de impeachment de Moisés e Daniela apresentado pelo defensor público Ralf Zimmer tenta dar contornos políticos dramáticos ao velho esporte da elite do funcionalismo público: olhar o contracheque alheio em busca de possíveis equiparações. Zimmer – que apresentou o pedido de impeachment na condição de cidadão e com reações contrárias da Defensoria Pública do Estado e da Associação dos Defensores Públicos do Estado, cuja presidência teve que abandonar – embasa o pedido no controverso aumento salarial que equiparou o salário dos procuradores do Estado aos dos desembargadores, na casa dos R$ 35 mil.
Essa equiparação quase entrou por contrabando – leia-se emenda apresentada na Alesc – na reforma administrativa de Moisés. Foi vetada pelo governador, com alegação de falta de recursos e vício de iniciativa. Poucos meses depois, no entanto, passou a ser paga, em decisão administrativa. Segundo a Procuradoria Geral do Estado (PGE), advogada do governo e beneficiária, por cumprimento de uma decisão do Tribunal de Justiça já transitada em julgado.
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A concessão do aumento – cerca de 5 mil a mais no contracheque – a toda a categoria e não apenas aos beneficiados pela ação no TJ-SC é o crime de responsabilidade apontado por Ralf Zimmer para cassar o governador. A vice-governadora cairia junto por não ter revogado o ato durante seus dias de interinidade. Por mais que haja base para questionar a nebulosa concessão do benefício, são frágeis as condições para destituir uma chapa eleita com 71% dos votos a pouco mais de um ano.
Se Moisés enfrentasse uma crise de popularidade e a perda total da base de apoio parlamentar, o pedido de impeachment poderia ter alguma consequência – mas não por si só. Não há nas ruas um clima de rejeição ao governador. A base parlamentar não é das mais robustas, mas existe. Pedidos de impeachment costumam dormir nas gavetas da Alesc – só o ex-governador Raimundo Colombo (PSD) tinha 12. Este contra Moisés deve ter o mesmo destino. Não é assim que se faz um impeachment e os protagonistas do processo político em Santa Catarina sabem disso.