Uma vez perguntei ao ex-governador Paulo Afonso Vieira (MDB) o que ele faria diferente se comandasse outra vez o Estado. Na resposta, o emedebista disse que seria mais pragmático do que foi naquele período de 1995 a 1998, quando ficou marcado por uma gestão criticada por isolamento político e operações financeiras polêmicas. No que disse, no entanto, há uma frase que pode ser pinçada e que independe do leitor gostar ou não do ex-governador – e que vale para todos os que vivem a política.

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– Eu achava que as coisas boas fluíam naturalmente, seriam aceitas por todos sem nenhum tipo de estímulo ou incentivo. Hoje eu sei que a gente precisa convencer as pessoas mesmo das coisas boas.

Convencimento é parte importantíssima da atividade política e não é apenas uma questão de falar. Desde que a crise do coronavírus virou uma realidade entre os catarinenses, o governador Carlos Moisés tem falado diariamente em entrevistas coletivas transmitidas pela internet e replicadas pelos principais veículos de informação. Mesmo assim, peca no convencimento sobre suas decisões em relação ao isolamento social – tanto ao restringir, lá no começo, quanto ao flexibilizar, nas últimas duas semanas.

O que estamos vendo na prática é uma disputa clubística entre os que defendem aos panelaços o isolamento social como forma de preservar a saúde das pessoas contra os que buzinam pela reabertura das atividades econômicas para impedir o colapso financeiro do Estado. Nela, Moisés perdeu a confiança do primeiro time ao desradicalizar as restrições, sem ganhar apoio algum no outro lado – que enxerga na decisão apenas o governador cedendo às pressões.

Mais do que nunca, Moisés precisa convencer de que tem lastro para suas decisões – seja para fechar, seja para abrir. Nas últimas semanas, a impressão que ficou é de que o governador não teria mais como manter as pessoas em casa e o comércio fechado, sob risco de desobediência civil. Se tivesse que impor o isolamento pela força – instrumento possível pelo cargo que ocupa – estimularia ainda mais uma disputa de autoridade que o contrapõe ao presidente Jair Bolsonaro. Quando mais às pessoas vão para rua, mais empoderado está o presidente – sempre crítico do isolamento.

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A posição titubeante de Moisés fez com que ficasse isolado. Setor produtivo, parte considerável da sociedade, lideranças políticas – todos perderam o temor de contrapor Moisés. Mais do que nunca, o governador precisa ser convincente de que suas convicções têm rumo, diretriz, embasamento e atendem ao bem comum.

Nisso é importante a ênfase que foi dada esta semana nos pronunciamentos do governador ao percentual de ocupação dos leitos de UTI no Estado, sempre abaixo dos 20%. Se continuar assim, afrouxa-se as restrições com base na capacidade de atender os infectados. Se subir, restringe-se mais. É um dado técnico mensurável e balizador das políticas a serem adotadas. Da mesma forma que às vésperas das enchentes acompanhamos a subida do nível do rio, temos agora um instrumento para medir nossas apreensões. E Moisés, uma narrativa de convencimento.

Artigo publicado nas edições de 25/4/20 das revistas DC, AN e Santa.