A revista Piauí deste mês trouxe um aperitivo do quarto volume das memórias de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) enquanto ocupava a Presidência da República. A nova edição tem como foco os dois últimos anos do tucano no poder e a passagem de bastão para Lula (PT) em 2003. Nos registros, gravados pelo ex-presidente à época e revisados agora, Fernando Henrique critica o tom populista das falas de Lula na campanha, lamenta que José Serra (PSDB) não tenha defendido o governo e mostra surpresa com o tom agradável das conversas com o petista após a eleição.
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Há breves comentários sobre políticos de Santa Catarina. No dia do segundo turno das eleições, lamentou a derrota de Esperidião Amin para Luiz Henrique.
– Lastimo, Amin foi bom governador. E o Luiz Henrique acabou apoiando o PT, o que me pareceu um pouco exagerado, embora ele tenha sido amigo meu a vida toda e o Amin seja um amigo mais recente.
A segunda citação à política catarinense no trecho apresentado pela Piauí também envolve a proximidade que teve à época com a família Amin. FHC relata a visita da então prefeita de Florianópolis, Angela Amin, ao Palácio do Planalto, naqueles últimos dias de governo. A descrição tem poucos detalhes, mas é bastante elogiosa.
– Sempre muito simpática, que me trouxe algumas ostras e veio fazer alguns pedidos muito corretos – resumiu FHC.
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Ler as páginas do diário do tucano quando presidente na época da transição do poder entre tucanos e petistas em plano nacional, Amin e Luiz Henrique no nível estadual, é como viajar no tempo. As rivalidades estavam postas e as disputas foram duras. Na reta final da campanha, com Lula mais do que favorito para a vitória, Serra apelou para um discursos que hoje está na moda. Um dos jingles dizia “muda meu Brasil, mas não muda de bandeira, a onda é verde-amarela, ela não é vermelha”. Na época, não surtiu efeito e FHC fez a mais cordial das transições de governo entre adversários. Três derrotas tucanas depois fizeram o antipetismo subir o tom e ver o PSDB como mero sparring.
Em Santa Catarina, a aliança entre Luiz Henrique e o PT pouco durou, mas o peemedebista soube manter Amin isolado e colecionar vitórias eleitorais – dele e de aliados. Hoje senador, Amin voltou à ribalta apenas 2011, como deputado federal.
Com Jair Bolsonaro no Planalto e Carlos Moisés na Casa d’Agronômica – nomes inacreditáveis naquele fim de 2002 – tudo parece tão deslocado. Talvez por isso tanta gente hoje ache que petistas e tucanos são tons diferentes de esquerdismo, que Amin e Luiz Henrique são apenas ícones da chamada velha política. Perdemos a nuance.
Publicado nas edições de DC Revista, AN Revista e Santa Revista de 2/11/2019
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