Em agosto, tracei aqui um paralelo entre o governador Carlos Moisés (PSL) e a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e criei o Moisés Rousseff – ela vítima de um impeachment, ele na fila para ser o primeiro governador a sofrer esse tipo de deposição. A segunda denúncia do Ministério Público Federal contra o deputado estadual Julio Garcia (PSD), presidente da Assembleia Legislativa, abre o espaço para mais uma paralelo entre o cenário político catarinense e a recente história brasileira.
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Michel Temer nunca teve votos para ser presidente da República, mas a habilidade na articulação política, especialmente no parlamento, fez com que fosse alçado do comando da Câmara dos Deputados, que ocupou por mais de uma vez, para a vaga de vice-presidente na chapa de Dilma Rousseff. Era o símbolo da pragmática aliança do PT com o MDB, mas também um contraponto à falta de traquejo para as coisas da política que apresentava a candidata ungida pelo ex-presidente Lula (PT).
Julio Garcia tem muito de Temer. Presidente da Assembleia Legislativa pela terceira vez, sempre eleito sem votos contrários, o pessedista tem uma longa e bem-sucedida carreira política marcada pelas costuras políticas, pela construção de alianças, pelo respeito dos adversários e pela gratidão que conquista nos gestos que faz. Os processos de impeachment contra Moisés e a vice Daniela Reinehr fazem de Julio Garcia o primeiro na sucessão pelo comando do Estado, algo que sempre esteve longe de suas aspirações eleitorais pessoais.
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Para Dilma em 2016 e para Moisés em 2020, Temer e Júlio são golpistas, articuladores da derrocada de seus governos. É leitura de cenário, é narrativa de defesa – as semelhanças dos erros cometidos pela ex-presidente e pelo governador escrevi naquele “Moisés Rousseff” de agosto. Agora, no entanto, chega o momento de apontar que Julio Garcia – indiciado pela Polícia Federal, denunciado pelo MPF, aguardando que a Justiça decida se vira ou não réu da Operação Alcatraz – corre sério risco de temerização caso assuma o governo catarinense.
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Também alvo da Polícia Federal na Operação Lava-Jato, Michel Temer teve poucos dias de paz como presidente da República. Usou todo o capital político que acumulou em décadas e a caneta presidencial que lhe caiu nas mãos para manter-se no cargo diante das pressões vindas da PF e da Procuradoria-Geral da República, especialmente após as delações de Joesley Batista, da JBS. Odiado pelos petistas que o carregaram na chapa, ignorado pelos antipetistas que não se sentiam responsáveis por sua assunção, Temer foi um presidente fraco, sem influência na própria sucessão.
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Até agora, Julio Garcia foi blindado pela política catarinense. Seja na deflagração da Alcatraz, em maio do ano passado, com direito a busca e apreensão em endereços do parlamentar, seja no indiciamento pela PF, na primeira denúncia do MPF às vésperas da votação do impeachment na Alesc, nesta segunda denúncia, em nenhum momento Julio foi publicamente questionado pelas lideranças políticas do Estado – exceção a Moisés, que o tem como antípoda.
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É o prestigio, o respeito e as gratidões acumuladas. Assim, caso não haja nenhum impedimento judicial, é muito provável que Julio Garcia assuma o mandato tampão de governador de Santa Catarina a partir de 23 de outubro, caso o Tribunal do Impeachment determine o afastamento de Moisés e Daniela. Será neste momento, com todo o capital político que acumulou somado à caneta de governador do Estado, que o pessedista terá que mostrar força contra a pressão vinda da Alcatraz, do MPF, da Justiça Federal e de uma sociedade desconfiada de um político que não elegeu para o maior cargo do Estado. Júlio terá que mostrar que não é Temer.
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