Em 2015, enquanto se deteriorava o governo da presidente recém reeleita Dilma Rousseff (PT), uma figura ganhou holofotes na política nacional. Membro do pouco conhecido Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, o procurador Júlio Marcelo de Oliveira explicava didaticamente o que eram as tais pedaladas fiscais que o levaram a pedir a rejeição das contas da petista e que basearam o pedido de impeachment que a apearia do cargo em 2016.
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Passado os minutos de estrelato, Júlio Marcelo voltou à tarefa de trabalhar pelo fortalecimento dos Ministérios Públicos de Contas – da União e dos Estados. Há cerca de 10 dias, a associação dos procuradores de contas, que ele dirige, reuniu-se em Curitiba para traçar um planejamento estratégico unificado que dê voz e visibilidade aos órgãos – hoje espremidos nas estruturas dos Tribunais de Contas.
Conversei por telefone com Júlio Marcelo para falar sobre essa missão. Ele defendeu a autonomia do órgão, que hoje tem orçamento atrelado ao Poder Executivo (caso de SC) ou aos próprios tribunais, usando suas estruturas.
— Vivemos a mercê dos humores dos tribunais. Funcionários, mesa, cadeira, tudo é o tribunal que dá. A separação, inclusive física, não acontece muito por causa da resistência dos tribunais de contas. Quanto mais atuamos, melhor eles atuariam. Mas nem todos querem atuar bem.
Ele também afirmou que não vê choque com as competência dos ministérios públicos federal ou estaduais.
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— Temos uma atribuição especializada em análise de contas públicas que nenhum MP tem. O MP judicial vai mais na linha da responsabilização dos gestores judicialmente.
Júlio Marcelo também defendeu o projeto que acaba com as indicações políticas para os cargos de conselheiro dos TCEs e ministro do TCE – hoje feitas por parlamentares, governadores e presidentes da República. Diz que a sociedade precisa exigir dos candidatos que apoiem as mudanças na legislação e explica que a proposta não é fazer concurso público direto para as vagas.
— A ideia é que sejam de carreiras técnicas para as quais se ingressa por meio de concurso. Auditor, procurador, procurador do Estado.
Por fim, falamos sobre as famosas pedaladas fiscais de Dilma. Ele mantém a posição sobre a gravidade das operações contábeis que serviram de pretexto para a queda da petista.
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— A crise econômica que vivemos hoje é fruto da irresponsabilidade fiscal do mandato dela. Quando ela não tinha mais dinheiro, começou a usar o dinheiro dos bancos. Fez isso para conseguir uma reeleição e continuou fazendo isso no segundo mandato, isso está na raiz da nossa crise.
Ressalta, porém, que o impeachment é um julgamento jurídico e político feito no Congresso Nacional e que leva em conta fatores como governabilidade e base de sustentação. Acredita que as denúncias contra Michel Temer (PMDB) foram “tão ou mais graves” e “não foram para frente”.
Leia o que disse Júlio Marcelo de Oliveira:
Falta de autonomia dos MPs de Contas
Tem que garantir a autonomia desse órgão, que hoje vive à mercê dos humores dos tribunais de contas. Funcionários, mesa, cadeira, tudo é o tribunal que dá. Uma força de estrangular o órgão é cortar os recursos. A separação, inclusive física, não acontece muito por causa da resistência dos tribunais. Quanto mais atuamos, melhor atuariam os tribunais de contas. Mas nem todos querem atuar bem.
Como devem atuar os MPs de Contas
Quanto menos recursos disponíveis, mais essencial é fazer bem a seleção de temas e questões que temos que atacar prioritariamente para melhor servir a sociedade. Tem processos que são trabalhosos e tem pouquíssimo impacto para a sociedade
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Sobreposição de funções com os Ministérios Públicos judiciais
A atuação é complementar e sinérgica. Não existe conflito de atribuição. Temos uma atribuição especializada em análise de contas públicas que nenhum MP tem. O MP judicial vai mais na linha da responsabilização dos gestores judicialmente. Na via preventiva, o MP de Contas, por sua vocação natural e especialização de seus momentos, é o ramo mais vocacionado.
Como despolitizar os tribunais de contas
A sociedade tem que exigir. Parar de falar isso só em conversas informais e exigir isso. Especialmente neste ano eleitoral, exigir que os candidatos se comprometam com a mudança.
A composição dos tribunais sem indicação política
Hoje 80% dos membros tem origem política, por isso que não funcionam.
Não estamos propondo o concurso público direto para o cargo de conselheiro ou ministro, mas que ele seja de carreiras técnicas para as quais se ingressa por meio de concurso. A carreira de auditor, de procurador, de procurador do Estado, encontram-se pessoas experientes e que tem competência técnica
A gravidade das pedaladas fiscais de Dilma Rousseff
Acho que na época as pessoas perceberam a gravidade. Até porque a crise econômica que vivemos hoje é fruto da irresponsabilidade fiscal do mandato dela. Este nível de endividamento e gasto público sem arrecadação suficiente, em que para se manter esse nível de gasto, lançou mão das pedaladas. Quando não tinha mais dinheiro, começou a usar o dinheiro dos bancos. Fez isso para conseguir uma reeleição e continuou fazendo isso no segundo mandato, isso está na raiz da nossa crise.
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O impeachment de Dilma e as denúncias contra Michel Temer
O impeachment é um processo jurídico e político, por isso a Constituição entregou para o Congresso. Aí entra, naturalmente, uma questão de governabilidade ou apoio político. Tão ou mais graves quantos as condutas dela foram as que constaram na denúncia do procurador-geral da República (Rodrigo Janot contra o presidente Michel Temer) e que não foram para frente.
A rigidez em relação às pedaladas vale para outros presidentes?
Num país que leva a sério a responsabilidade fiscal e o cumprimento das normas orçamentárias, sempre deveria ter. Isso está escrito na Constituição e na lei que fala dos crimes de responsabilidade. Se a Constituição trata isso com seriedade, com gravidade. Por que isso se limitaria à presidente Dilma? Qualquer presidente que descumprir voluntariamente normas constitucionais têm que responder.