A lei que regulamentou o impeachment e que até hoje persiste foi criada nos primeiros meses de 1950, ano em que Getúlio Vargas seria eleito presidente do Brasil. Domingo passado, na Folha de S. Paulo, Otávio Frias Filho escreveu uma pensata sobre o tema apontando que a aprovação das detalhadas regras que caracterizavam o crime de responsabilidade e permitiam a cassação de presidentes, ministros e governadores trazia consigo o eco – e o trauma – dos 15 anos de revolução/ditadura getulista ainda tão recentes no imaginário daquela sociedade.
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Inspirado pelo texto, procurei alguns jornais da época para ler como foi tratada a aprovação do projeto que regulamentou o impeachment. O Correio da Manhã apontava os alvos da nova lei – já naquele tempo, não teria porque ser diferente, legislações e decisões visavam alvos, não conceitos. Eram os governadores de Alagoas, Silvestre Péricles, e de São Paulo, Adhemar de Barros. Isso não afasta a constatação feita por Frias Filho em seu artigo, do texto da lei encharcado de espírito da época.
Escrevo sobre impeachment motivado pelo início do processo de afastamento do governador mineiro Fernando Pimentel (PT), autorizado pela Assembleia Legislativa na quinta-feira. O petista é acusado de ter atrasado os repasses dos duodécimos – esse nome esquisito que significa “mesada” – do Tribunal de Justiça e do próprio parlamento. Pimentel enfrenta denúncias, ações judiciais e desgastes políticos praticamente desde o primeiro dia de governo, em 2015, mas só vai encarar um processo de deposição a cinco meses de disputar a reeleição. Curiosamente, quando entrou em turbulência com o aliado PMDB, partido do vice. Um filme parecido com o que passou nos cinemas de Brasília em 2016.
A lei que regulamentou o impeachment deixou claro o caráter político do julgamento ao entregá-lo aos parlamentares. É por isso que sua instalação e posterior confirmação é umbilicalmente ligada à perda de maioria no Legislativo. A rigor, o crime de responsabilidade atribuído a Pimentel guarda semelhanças e talvez seja até mais brando que o episódio em que o ex-governador catarinense Raimundo Colombo (PSD) deixou de repassar R$ 248 milhões aos poderes e R$ 130 milhões aos municípios entre 2015 e 2016 – utilizando uma manobra contábil na forma de cobrar o ICMS pago pela Celesc no período. No cargo, Colombo nunca perdeu sua base. Em vez de enfrentar um processo de impeachment, conseguiu costurar um acordo para reembolsar posteriormente os órgãos prejudicados. Ficou por isso.
É interessante constatar que a influência dos governos sobre os parlamentos estaduais fez do impeachment de governadores algo mais raro do que os presidenciais. Se Fernando Collor e Dilma Rousseff foram apeados do Palácio do Planalto pelo Congresso, apenas um governador teve o mesmo destino: Muniz Falcão, de Alagoas, em 1957. Processo autorizado, igual Pimentel, somente outros dois – o catarinense Paulo Afonso Vieira em 1997 e o brasiliense José Roberto Arruda em 2010, ambos rejeitados. Aparentemente, o trauma do Estado Novo encharcou a lei do impeachment em 1950. A República Velha, não.
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