Controlador-geral do Estado, Luiz Felipe Ferreira garante que o órgão que comanda e que introduziu na máquina governamental quando pilotou a reforma administrativa do governo Carlos Moisés (PSL) ano passado não falhou no polêmico caso da compra de 200 respiradores de UTI por R$ 33 milhões pagos antecipadamente. Ele admite, no entanto, que o caso que jogou o governo em uma crise política e policial paralela à pandemia do coronavírus só falhou porque toda a estrutura da Secretaria de Saúde deixou de revisar os passos de “um processo que se autocondena”. Ferreira aponta a ex-supervisora Márcia Regina Pauli como principal responsável pela operação – por ter atestado o recebimento dos respiradores até hoje não entregues nos moldes previstos em contrato, o que permitiu o pagamento. Aponta que falta à CGE uma regulamentação legal que permita mais do que recomendar procedimentos, mas diz que isso não faria o órgão conseguir interromper o desastroso negócio.
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– Quando se faz com a intenção de burlar o controle interno, você só busca no posterior.
Leia a entrevista:
A CGE falhou no episódio da compra dos respiradores?
Nós temos R$ 30 bilhões de orçamento para acompanhar, incluindo custeio e despesa. Todas as estruturas internas estão amparadas legalmente e organizadas. Existe todo um regramento para o servidor seguir. No momento em que deixa de seguir um regramento desses, é uma questão pontual e local. Eu não consigo chegar nele. Até porque em uma licitação convencional, assim que iniciada ela entra no sistema, eu consigo rastrear e acompanhar. Na dispensa de licitação não existe isso no Estado hoje, nunca existiu.
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E a CGE não vai sugerir essa mudança?
Estamos já trabalhando nessa questão. Fazer com que todo processo licitatório tenha uma rastreabilidade dentro do sistema.
Não é justamente na dispensa de licitação que o olhar deveria ser mais atento?
Em todas elas. A dispensa é uma modalidade de contratação normal. Não é por ser dispensa que você vai deixar de cumprir um requisito legal.
Tenho que ter três orçamentos? Tenho. Se um fornecedor já vem com os três orçamentos na mão, que prática é essa?
Eu posso ter um orçamento que me chegou à mão, agora os outros dois, tenho que ter a sensibilidade como servidor de buscar os outros dois empresas cadastradas, empresas confiáveis.
Como a CGE atuou na questão dessa compra dos respiradores?
Havíamos feito uma proposta de trabalhar internamente ali e não logrou êxito. A segunda proposta foi de acompanhar os processos e isso foi aceito. O que fizemos? Montamos um guia de instrução, uma orientação. A partir desse momento entramos nos processos da Saúde. Mas como nós chegamos nesse processo? A Controladoria-Geral da União (CGU) vinha fazendo monitoramento dos editais porque o Estado deixou de pagar a dívida com a União e esse resultado tem que ser aplicado na Covid-19. Então eles estavam monitorando pelo portal. Foi onde caiu lá na CGU que havia alguma irregularidade nessa contratação. Foi quando fiz o contato com o Márcia (Regina Pauli, então superintendente na Secretaria da Saúde).
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Se a CGU não aponta a irregularidade, a CGE não conseguiria encontrar?
Esse processo estava no nosso radar, mas como já estava contratado nós estávamos de olho nos que estavam saindo. Mais dia ou menos dia, esse processo passaria pela CGE.
E como foi o contato com a servidora Márcia?
Ela ficou surpresa que tivéssemos apontado que existiam fragilidades processuais. O que isso me leva a crer? Que ela tivesse uma confiança muito grande nas parte com quem estava fazendo a negociação. Ela recebe três orçamentos de uma mesma pessoa…
Naquele momento a compra já estava paga.
Já. Começamos a olhar o processo dia 18, a compra foi dia 1 ou 2 (abril). Fizemos uma reunião com o secretário (Hélton Zeferino, ex-secretário da Saúde) era dia 24 e a reportagem (do site The Intercept) saiu dia 28.
A falha foi de quem?
É todo um conjunto. Na administração público você pode corrigir o erro ou o vício de origem a qualquer momento. A Márcia fez, mas passou no jurídico, passou na área técnica, passou no pagamento.
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Todo mundo sabia que tinha um problema, mas ninguém comunicou nada.
Na Márcia passou duas vezes, no início e quando ela deu o ateste na nota (fiscal). Uma pergunta que até hoje não fizeram para a Márcia é porque ela atestou a nota. Se ela não atesta como recebido, não haveria nota. A expressão “pagamento antecipado” que andam usando não é a correta, porque pagamento antecipado é quando você de fato não recebeu nada. Ali ela atesta que recebeu. Quem vai pagar no financeiro, ao receber um atesto, não está desconfiando que o indivíduo lá no almoxarifado atestou algo que não foi recebido. Existe todo um passo a passo. No momento em que alguém fura, o da frente obrigatoriamente teria que corrigir. Existem três linhas de defesa. A primeira é o Hélton, o secretário. A segunda é toda base de apoio ao secretário – contabilidade, financeiro, empenho, contratos, e aí vai. Toda essa fileira da segunda linha deixou passar. Aí vem a CGE que é a terceira linha.
O senhor prestou depoimento na CPI dos Respiradores. Como avalia o trabalho da CPI e seu depoimento?
Existe a investigação do Ministério Público de SC, a da Polícia Civil e, na parte administrativa, a da CGE, uma investigação preliminar. Quando eu fui à CPI, não poderia adiantar o que está se passando nessas questões de investigação. Não podia apresentar nomes, indicar alguém como provável fraudador. Não poderia ir lá para especular. Acho que os deputados criaram uma expectativa de que eu poderia esclarecer questões específicas e não tem como. Só o que acompanhei e eu acompanhei como qualquer cidadão.
O processo em si se autocondena. É um processo que não tem justificativa para ter sido estruturado daquela forma.
Em um processo que se autocondena, como o senhor disse, a CGE não consegue atuar antes do erro se concretizar?
Só se for chamada. A CGE não consegue entrar de forma concomitante. Consigo entrar de forma concomitante em chamamento público, onde há publicação de editais. Eu faço monitoramento de editais. Tendo irregularidade ou não conformidade, me direciono ao secretário.
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A CGE tem respaldo do governo para fazer seu trabalho? As portas estão abertas?
Toda a autonomia foi dada hoje à CGE. Por exemplo, na questão do hospital de campanha nós alertamos a tempo. O que falta? Eu recomendo. Não tenho hoje na legislação como ir além da recomendação.
A Assembleia Legislativa quando aprovou a criação da CGE, na reforma da administrativa, reduziram as atribuições do órgão de 38 para nove, as mais genéricas. O trabalho da CGE está comprometido por falta de uma legislação mais definida?
Tem o sim e o não. Se eu tivesse todo o trabalho definido, conseguiria evitar a fraude dos respiradores? Não. Porque no caso dos respiradores é algo que se faz para burlar o controle interno. Quando se faz com a intenção de burlar o controle interno, não adianta, você vai buscar a posterior. O secretário Hélton mandou uma consulta ao Tribunal de Contas sobre pagamento antecipado.
Se o secretário mandou uma consulta para o TCE, porque a Saúde não aguardou antes de formalizar o pagamento? Foi um equívoco.
Por dois ou três dias aguardar uma resposta do TCE não interferiria no cumprimento do contrato.
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O senhor disse que “quando se faz com a intenção de burlar o controle interno, não adianta”. Isso está caracterizado na compra dos respiradores? Foi feito para burlar o controle interno?
Se não foi feito de forma pensada, de alguma forma se deixou de atender os requisitos mínimos de uma contratação.
Mas de quem é a culpa?
De quem está gestionando o contrato. Quem está montando a estrutura?
No âmbito do secretário ou da servidora?
Isso é no âmbito operacional. Não chega no secretário. Tem duas coisas distintas. A figura do secretário em que ele se posiciona e dá a ordem de compra. E tem toda a ordem processual que tem que atender a um regramento. De quem é a responsabilidade? É conjunta, sem dúvida, mas a responsabilidade do servidor é pelo desdobramento do contrato, do processo licitatório, do processo do contrato.
As principais falhas processuais ali recaem sobre a Márcia.
Estava sobrecarregada? O servidor tem que estar apto a exercer a função. Se não está apto, tem que pedir para sair, não pode justificar o excesso de pressão.
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Esse processo dos respiradores era para ter parado e ter revisado todo ele. Isso não foi feito.
Quem poderia ter parado?
Cada um dos servidores que teve uma decisão em sua mão durante o processo. Setor jurídico, área técnica, a pessoa que pagou. A Márcia quando o processo circulou e voltou para ela dar o atesto. O setor de contratos. Todas as áreas.
O governador Carlos Moisés deveria ter sido informado do problema antes do que foi informado?
Teriam que ter informado o controle interno. O da própria Secretaria da Saúde ou a CGE. A primeira comunicação de alguma questão de irregularidade é na própria estrutura do órgão ou na CGE. Nenhuma dessas situações ocorreu.
O Sindiauditoria, que representa os auditores, reclama muito da sua presença como controlador-geral, defendendo que fosse um servidor de carreira. Como avalia essa crítica?
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Eu tenho formação em contabilidade, mestrado em administração e um doutorado na área de engenharia. Todas essas três são áreas comuns de acesso à carreira de auditoria. Eu tenho experiência comprovada na área de auditoria. O que eu vejo? Durante oito anos o Sindiauditoria esteve na gestão. Hoje, eu tenho o secretário-adjunto uma auditoria. Tenho três diretorias e dois são auditorias. Tenho mais sete gerências e são só auditorias. Acontece que o nome que está como adjunto não é o que Sindiauditoria gostaria que fosse.
Eles querem alguém que defenda o interesse deles, eu estou ali defendendo o interesse de governo.
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