Talvez seja só um grande bode na sala para chamar atenção dos parlamentares e puxar para si os debates do grande pacote do ministro Paulo Guedes de reorganização do Estado brasileiro, mas a vida e a morte dos pequenos municípios merece há muito tempo um amplo e verdadeiro debate. A proposta de anexar a vizinhos maiores e mais prósperos as cidades com menos de 5 mil habitantes que não conseguem alcançar com recursos próprios 10% de sua arrecadação total levou apreensão a centenas de municípios em todo o país e à curiosidade de todos os demais.
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As duas condições são importantes, porque não há nada errado em existirem pequenas cidades – a discussão deve se dar em torno da viabilidade. Dos 109 municípios existentes em Santa Catarina, estariam na berlinda apenas 39 segundo estudo feito pelo Tribunal de Contas do Estado. O órgão estadual de controle já havia levantado essa discussão no início do ano, quando ainda não havia instrumentos para levar o debate para além da mera constatação. Agora, com a PEC de Guedes, há condições reais para extinguir as cidades.
O debate sobre o custo das estruturas municipais lembra uma frase muito usada pelo ex-presidenciável Geraldo Alckmin (PSDB) que é muito boa para ficar perdida em velhos discursos eleitorais: “o Brasil ficou caro antes de ficar rico”. Em todo o país, as estruturas de poder reproduzem os mesmos modelos. A Constituição Federal define que o número mínimo de vereadores de uma cidade é nove. Vale para cidades de até 15 mil habitantes.
O salário dos vereadores também têm limites fixados por regras nacionais – no caso dos pequenos municípios, 20% do salário do deputado estadual. Isso dá pouco mais de R$ 5 mil mensais, que anualizado e multiplicado por nove leva o custo dos parlamentos municipais a quase R$ 600 mil anuais apenas com salários dos eleitos. Há, ainda, o Poder Executivo municipal com prefeito, vice-prefeito e secretários.
A Constituição de 1988 flexibilizou a criação de municípios, dando esse poder às Assembleias Legislativas. Muito próximos às bases, os deputados estaduais promoveram uma verdadeira farra de emancipações em todo o país. Das 39 cidades catarinenses na berlinda, 25 foram criadas nos anos 1990.
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Em 1995, o Congresso Nacional deu fim à festa, trazendo para si a decisão sobre a criação de municípios. Desde então, apenas uma janela foi aberta em 2011 – quando nasceram os caçulas de Santa Catarina: Balneário Rincão e Pescaria Brava, ambas a salvo da guilhotina. O fim da farra de emancipações não veio acompanhada de uma revisão do que havia sido feito. Agora pode ser o momento.
A PEC como foi apresentada dá quatro anos, uma nova gestão inteira, para que as cidades a perigo possam buscar o caminho da sustentabilidade. Fortalecer a cobrança dos impostos municipais, buscar novas fontes de receita, buscar menor dependência dos repasses obrigatórios da União. Um prazo e uma lição de casa.
É difícil, no entanto, que essa questão prospere. Deputados federais são muito suscetíveis à pressão de vereadores e prefeitos e deles têm suporte para suas reeleições ou voos mais altos. É por isso que a entrada da questão no pacote de Guedes tem cara e cheiro de bode na sala. Mesmo que seja, é bem-vinda uma discussão que sempre pareceu indiscutível.