Em meio a uma onda de iniciantes na política alçados ao poder pela onda de renovação nas eleições de 2018, Júlio Garcia (PSD) foi uma espécie de contraponto. De volta à política partidária e eleitoral após uma década como conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, ele voltou à Assembleia Legislativa que já comandara por duas vezes e logo foi eleito presidente. Seu protagonismo foi ampliado desde que aceitou um dos pedidos de impeachment contra o governador Carlos Moisés (PSL), dando instrumento a uma crise política iniciada após o escândalo da compra dos respiradores fantasmas. Durante a semana, ele recebeu o colunista Upiara Boschi no gabinete da presidência para uma conversa sobre o impeachment, o governo Moisés e – especialmente – política. Nem nova, nem velha: política.
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Leia a entrevista exclusiva do presidente da Alesc, Júlio Garcia (PSD).
Quando decidiu se aposentar do cargo de conselheiro do Tribunal de Contas, voltar à política partidária, disputar eleição, eleger-se deputado estadual, o senhor imaginou que seria um mandato tão diferente, tão conflituoso?
Ninguém imaginava que a eleição de 2018 fosse ser tão atípica. O resultado da eleição acabou determinando os fatos que a ela se sucederam. Um governo novo, um governo diferente, uma composição da Assembleia diferente. Uma renovação surpreendente, a maior da história. Tudo isso passou a ser uma grande novidade.
O senhor foi duas vezes presidente da Assembleia quando havia um parlamento mais experiente, experimentado (de 2005 a 2008), com pessoas “do ramo”. Hoje é presidente de um parlamento com muitas pessoas não só em primeiro mandato, mas também em sua primeira experiência política. Qual é a diferença?
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Hoje vivemos um tempo completamente diferente na sociedade. A própria eleição mostrou isso. A presença dos novos oxigenou o parlamento, fez com que a composição da Assembleia fosse adaptada aos tempos em que estamos vivendo. Aconteceu isso em todos os Estados, no Brasil todo. É normal, a gente tem que encarar. A virtude do líder, a virtude do político é andar adequadamente ao seu tempo.
Mudou seu jeito de liderar?
Teve que ser adaptado aos momentos atuais, mas não mudou na essência. Qual foi sempre o grande alicerce da liderança que eu possa ter exercido em outro momento? Foi o respeito às pessoas e a valorização do trabalho de cada um. Isso não mudou, mas convivendo com tempos novos. Eu me adaptei com facilidade.
A mesma eleição que produziu essa renovação no parlamento também resultou em um governo novo, um governo de uma pessoa que era de fora da política que é o governador Carlos Moisés. Na nossa última entrevista, em junho, o senhor disse que o governo não tinha dado certo, mas que tinha tempo de se recuperar. Ainda acha que tem?
Naquela época a realidade era essa. O governo não tinha dado certo. O governador, por falta de conhecimento, não tinha conseguido montar uma equipe que lhe desse sustentação. Eu tive a oportunidade de dizer isso a ele pessoalmente. Sempre há tempo de se recuperar, basta que se tenha desejo de promover as mudanças e conseguir implementá-las.
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O senhor acha que o próprio governo tem essa autocrítica de que não deu certo?
Acho que não. Falta humildade ao governo. O governo precisa fazer sua autocrítica se desejar fazer as mudanças necessárias. Aquela arrogância da nova política tem que ser deixada de lado.
Eu tive a oportunidade em dizer no discurso da minha posse que não acreditava nessa história de nova e velha política. Existe a política, como você bem definiu, a política estabelecida pelo dicionário.
O senhor se sentia pessoalmente citado quando o governador falava em velha política?
Ah, sim. Sem dúvida nenhuma. Homenageado a cada citação.
Como foram os dias que antecederam sua decisão de levar adiante o processo de impeachment com base no parecer da Procuradoria da Alesc?
No primeiro momento, eu arquivei um processo de impeachment (em fevereiro) atendendendo à recomendação da Procuradoria. A primeira fase do impeachment é eminentemente jurídica. Quem fala nessa situação é a Procuradoria da Alesc e eu atendi o que ela manifestou. Não é diferente no segundo caso. Houve a manifestação pelo arquivamento de alguns pedidos e para que pudesse prosperar um dos pedidos. O encaminhamento foi dado, mas eu não sou o autor.
É preciso ficar bem claro que o presidente da Assembleia não é o autor do processo de impeachment, é apenas o condutor do rito, que tem que zelar pelo cumprimento da lei.
A Procuradoria fez com todo zelo, sem nenhuma interferência política, toda a construção do rito, levando em conta a lei 1079 de 1950 e a modulação que foi feita pelo Supremo Tribunal Federal em 2016. Houve respeito à ordem jurídica, mas no direito a interpretação é elástica e temos que respeitar.
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A Assembleia pretende defender o rito que definiu em todas as instâncias jurídicas?
Não, a Assembleia pretende que tenha um rito estabelecido e validado pela Justiça. Não queremos escolher o rito. Adotamos aquele que entendemos que era chancelado pelo Supremo.
Não queremos defender e nem vamos brigar por esse ou aquele rito, queremos é um rito definido para que a gente possa caminhar com tranquilidade e fazendo as coisas na forma da lei.
O caso que mobilizou a sociedade em crítica à atuação do governo é o da compra dos respiradores fantasmas, tema de uma CPI aqui na Assembleia, operação policial, etc. Mas o processo de impeachment é sobre uma equiparação salarial de procuradores que seria irregular. Essa diferença entre o tema que desgasta o governo na sociedade e o do processo de impeachment não causa confusão?
É questão de interpretação. O processo ele tem no seu início apenas base jurídica. Os pareceres que vi até agora a respeito do processo é de que ele tem fundamento jurídico, por isso teve continuidade. A decisão no meio do processo é eminentemente política e depois ela é mista, porque um tribunal misto vai julgar (se refere às etapas do processo em que o afastamento do governador e da vice-governadora é votado pelo plenário da Alesc e, depois, o julgamento do impeachment em si definido por um grupo de cinco deputados e cinco desembargadores).

Pergunto isso porque um caminho, o dos procuradores, envolve a vice-governadora Daniela Reinehr. As consequências são completamente diferentes, porque a cassação de ambos resulta em nova eleição – direta se for este ano, indireta ano que vem. O senhor acha que existe clima na sociedade para o impeachment da dupla Moisés-Daniela?
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Acho que não tem clima nenhum, a sociedade está preocupada com outras coisas. Às vezes as pessoas me perguntam se é momento de a Assembleia dar prosseguimento a um pedido de impeachment. A minha resposta é muito simples. Será que é momento do TCE continuar fazendo seu papel fiscalizador? Será que é o momento da Justiça estar cumprindo seu papel? Será que é o momento do Ministério Público cumprir sua tarefa?
Cada um tem que cumprir o seu papel. A pandemia tem que ser cuidada, mas nós temos que cuidar da economia, do social e também do cumprimento da lei. Uma coisa não tem nada a ver com a outra e não atrapalha a outra.
A gente tem visto uma epidemia de processos de impeachment, como os casos contra os governadores do Rio de Janeiro e do Pará e da cidade de Porto Alegre. Isso é uma consequência da nova política escolhida pela urna em 2018 ou é uma reação da política tradicional?
Não é reação da política tradicional, de jeito nenhum. Aqui em Santa Catarina não vejo nenhuma reação da política tradicional.
O que eu vejo é que a base jurídica dos pedidos de impeachment são analisados juridicamente. Não vejo qualquer relação entre a chamada velha política e nova política. São processos específicos.
O senhor não estava no plenário em 1997, mas viveu nos bastidores a época do processo de impeachment contra o ex-governador Paulo Afonso Vieira (PMDB). Vê similaridades nos casos e no sentimento político?
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Situações completamente diferentes.
Naquela época, o senhor era do grupo do PFL que não defendia o impeachment de Paulo Afonso…
Quem representava nosso grupo naquela época eram os deputados Ciro Roza e Onofre Agostini. Essa pergunta deve ser dirigida a eles, eles que votaram (ambos se abstiveram na votação da abertura do processo de impeachment, quando a oposição a Paulo Afonso conseguiu apenas 25 dos 27 votos necessários para o afastamento).
Voltando àquele momento em que o senhor aceita o parecer da Procuradoria e deflagra o processo de impeachment. Como foram as conversas na véspera? O senhor parecia tenso na leitura.
Conversei com a maioria esmagadora dos deputados e o clima interno era pela abertura. Não digo que seja o clima para termos votos para um impeachment, mas o clima interno era pela abertura.
Eu não tinha como, diante de um parecer favorável da Procuradoria, engavetar um processo. Eu não faria isso. Fiz com muita tranquilidade, mas confesso que não foi uma coisa agradável. Eu não estava tenso, mas não era um coisa confortável.
Essa leva de pedidos de impeachment em que estava o que foi aceito foi apresentada em maio. Esta semana foi protocolado mais um, reunindo diversos casos contra governador Moisés e vice Daniela, uma espécie de “impeachment do conjunto da obra”. A Procuradoria pode ser mais rápida na análise desse pedido do que foi com os outros?
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Na primeira leva de pedidos eu não tive nenhuma conversa com a Procuradoria, apenas elaborei o despacho e subscrevi. No segundo vou agir da mesma forma. Não vou conversar, não vou interferir. O que a Procuradoria fizer, está bem feito. Tanto em relação ao prazo quanto ao embasamento jurídico.
Se o processo de impeachment culminar na cassação de governador e vice, o resultado é a realização de uma nova eleição. Direta se até o processo for concluído até o final do ano, indireta se apenas em 2021. Caso haja a nova eleição, que perfil de governo o senhor acha que Santa Catarina deve ter?
Quem vai assumir, se acontecer o impeachment, vai ter uma responsabilidade muito grande que é de estabelecer uma convergência em Santa Catarina. Ainda mais no período de crise que estamos vivendo.
Um governo de coalizão?
Coalizão e convergência.
O senhor tem esse perfil?
Não, acho que não. Na democracia é sempre melhor que a eleição seja direta.
Há tempo para que seja concluído o processo este ano?
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Não tenho como avaliar. Agora mesmo estamos aguardando pela Justiça. Não somos nós que estabelecemos os prazos da Justiça. No resto, serão respeitados os prazos da Constituição, da lei e do regimento interno.

Se o impeachment for consumado, o senhor está na linha sucessória para assumir e tocar o governo até uma eleição, direta ou indireta. Já se pegou pensando como será se tiver que assumir?
Não gosto de fazer exercício de futurologia. Nunca pensei nisso.
Onde o governo Moisés errou?
Difícil estabelecer erros pontuais. Errou no conjunto. Na escolha da equipe, no menosprezo às pessoas que têm experiência e no desrespeito com aqueles que já governaram e fizeram política em Santa Catarina.
A maioria esmagadora dos políticos de Santa Catarina honra a política catarinense. Não somos um Estado pujante apenas por estarmos localizados entre Rio Grande do Sul e Paraná. Somos um Estado pujante porque sempre tivemos bons políticos a governar e a participar do processo político em Santa Catarina. O desrespeito a essas pessoas se constituiu, na minha avaliação, em um erro.
Também foi escolhida uma equipe fraca que contribuiu para fracasso do governo até aqui.
Em relação à pandemia, o que o senhor acha que o governo poderia ter feito diferente?
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Acho que o governo precisa atender o que as autoridades da saúde dizem. Defendo que todas as atividades funcionem, cada uma com seu protocolo. O protocolo não pode ser político, tem que ser técnico. Se o ônibus tiver que andar com 30% dos passageiros, que ande com 30%. Se o restaurante tem que funcionar com metade da capacidade, que funcione com metade. Mas todos os segmentos funcionarem pelo menos para poder pagar as contas e não haver um colapso na economia com consequências sociais.
No início do combate à pandemia, quando o governo tomava as medidas mais rígidas de restrições para forçar o isolamento social, a Assembleia acabou tomando a iniciativa de uma série de medidas para reduzir o impacto dessas medidas na economia. O Executivo foi omisso em relação a isso naquele momento e por isso a Assembleia assumiu esse protagonismo?
Sempre que a Assembleia assumiu o protagonismo foi porque o governo errou.
Errou nos incentivos (tentativa de revisar incentivos fiscais durante 2019), errou nos agrotóxicos (quando quis implantar a taxação dos insumos agrícolas, também em 2019). Errou na condução, errou na reforma administrativa. Em tudo que pôde a Assembleia corrigiu os erros do governo. Em um primeiro momento se impondo e no segundo momento negociando com o próprio governo. O secretário Paulo Eli (da Fazenda) esteve várias vezes aqui negociando e a Assembleia deu uma contribuição expressiva para que o governo desse certo. Quando veio a pandemia, pronto decretamos o estado de calamidade. Nós não faltamos ao governo em nenhum momento, a Assembleia protagonizou favoravelmente, levando sempre em conta os interesses maiores de Santa Catarina.
Voltando à 2018, à gênese disso tudo, às vezes a gente olha para a eleição de um nome de fora da política como se fosse uma questão da natureza: veio a onda e aconteceu. Mas em vários Estados os partidos tradicionais conseguiram resistir às ondas e eleger governadores. No que os partidos de Santa Catarina erraram para perder a eleição para um desconhecido?
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Foi a escolha dos candidatos (Gelson Merisio pelo PSD e Mauro Mariani pelo MDB). Eu disse isso em 2018. Foram candidaturas que acabaram não permeando na simpatia do eleitorado e aí abriu espaço para a onda levar o candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro, a onda 17.
O PSD, seu partido, governo Santa Catarina com Raimundo Colombo nos dois mandatos que antecederam o atual. Como partido se prepara para tentar voltar ao governo nas eleições de 2022?
Sobre 2022 tenho uma coisa a dizer que depende de decisão minha: não serei candidato a nada. Essa é uma decisão pessoal que eu tomei. Em relação ao resto, o futuro a Deus pertence.
Porque essa decisão?
Acho que já dei minha cota de participação. É preciso que agora eu ajude a que novas lideranças surjam. Tem que haver na política a renovação. Meu retorno se deu por circunstâncias que não eram previstas, uma decisão do nosso grupo político. Minha participação como candidato já está encerrada.
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Quando o PSD filiou o ex-prefeito blumenauense Napoleão Bernardes, ex-PSDB, a especulação é de que ele possa ser o nome majoritário do partido. O senhor faz parte dessa construção?
Temos grandes quadros no PSD, como os outros partidos também têm. Temos o Napoleão, o Milton Hobus (deputado estadual), o Raimundo Colombo. Os outros partidos também têm, o MDB, o DEM, o PT tem seus nomes. Todos os partidos tem seus nomes.
É nítido que na política eleitoral o senhor gosta das grandes composições. Vai trabalhar por uma grande aliança em 2022?
Vou trabalhar para que em 2022 os catarinenses escolham um governo à altura da tradição da política de Santa Catarina.
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Como o senhor está vendo essa eleição municipal que teremos em novembro, tão eclipsada por pandemia, impeachment e cuja campanha não vai poder ser feita na base do aperto de mão?
Não vai ter aperto de mão, mas vai ter rede social. Está funcionando. Quem se adaptar mais rápido à nova realidade vai acabar levando vantagem. Tenho acompanhado nos municípios onde os pré-candidatos se saem melhor na comunicação através das redes sociais, eles estão avançando. Onde não houve essa movimentação, os pré-candidatos vão atrasando a campanha. Mas vai ser uma campanha atípica, cujos resultados ainda não conseguimos antever.
Em 2018 havia uma insatisfação com a classe política e o bolsonarismo ascendente que acabaram se concentrando no número do 17. Nesta eleição não vai ter 17, porque o PSL não é mais o partido de Bolsonaro, a insatisfação pode estar mais difusa, o eleitor talvez tenha receio de apostar em desconhecidos. O que o senhor acha que vai ser essa eleição? O que o eleitor vai dizer na urna?
A eleição municipal é muito peculiar de cada realidade. O candidato a prefeito fica muito próximo do eleitor, o eleitor conhece o candidato. É uma eleição diferente de uma nacional, em que o candidato não conhece os municípios, as regiões, os Estados, chega apenas por via aérea. No município a eleição é de conhecimento pessoal. Não tem candidato desconhecido do eleitor.
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Em maio do ano passado foi deflagrada a Operação Alcatraz, da Polícia Federal, em que o senhor é um dos investigados. Em outubro, foi indiciado pela PF, mas o o Ministério Público Federal ainda não apresentou denúncia. Na época o senhor negou as acusações e disse que não falaria mais sobre o assunto, que seria tema para seus advogados, mas eu queria saber como o senhor se sente com essa possibilidade de ser ou não denunciado.
Com muita tranquilidade. Se o Ministério Público Federal não se manifesta, não sou eu que devo me manifestar. Vou aguardar com serenidade como tenho feito até aqui.
Sua defesa recorre nos tribunais superiores alegando que essa investigação não deveria ser federal, mas sim estadual. O senhor tem convicção dessa tese?
Não sou advogado, não sou jurista. Não saberia dizer quais as razões. Quando você contrata os advogados, é porque confia. Estou tranquilo em relação a isso.
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