Em abril do ano passado, as delações de executivos da Odebrecht colocaram a República de cabeça para baixo com relatos de sistemáticos pagamentos de propina à classe política – de forma ampla, geral, irrestrita e suprapartidária. Santa Catarina foi atingida especialmente na imagem do governador Raimundo Colombo (PSD), que tornou-se personagem de uma intrincada trama de sucessivas doações eleitorais milionárias e não-declaradas em troca de favorecimento na privatização da Casan.

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A narrativa dos delatores Fernando Reis e Paulo Welzel era factível. A Casan era publicamente objeto da cobiça da Odebrecht, Colombo elegeu-se prometendo vender parte da estatal e deu início a esse processo logo que assumiu o primeiro mandato. Acuado em um momento em que projetava um salto em direção à política nacional, o catarinense agarrou-se ao mantra de que Santa Catarina não tinha obras ou contratos com a Odebrecht e de que nenhuma ação da Casan havia sido vendida. Pesava contra ele a força da narrativa consistente apresentada pelos delatores.

De narrativas mais ou menos consistentes a literatura está cheia. Na época, escrevi que Colombo teria que apresentar mais do que negativas, mas uma narrativa tão consistente quanto a dos delatores. O pessedista focou seu relato nos procedimentos que levaram ao início e ao fim das negociações para venda de 49% das ações da Casan em seu primeiro mandato. Havia razões objetivas para a venda (a necessidade de injetar recursos na área de saneamento) e para a desistência do negócio (o baixo valor de venda apurado pelas consultorias contratadas).

Passados 11 meses daquele terremoto político de abril do ano passado, a Procuradoria-Geral da República transformou as delações em denúncia. O governador teve sucesso em sua narrativa e todo o episódio Casan foi eliminado do caso. Restou o crime eleitoral de não ter declarado os R$ 9,3 milhões que a Odebrecht diz ter dado para suas campanhas. Após quase um ano de investigações, a narrativa dos delatores foi partida ao meio. Está lá a generosidade, falta a retribuição. A história ficou capenga, tornou-se má literatura.

Juridicamente, a denúncia precisa ser aceita pelo Superior Tribunal de Justiça para que Colombo torne-se réu – e com a renúncia em abril, o caso deve vir para a Justiça Federal em Santa Catarina. Politicamente, o governador continuará sua carreira eleitoral, negará ter recebido dinheiro da Odebrecht e será espezinhado pelos adversários em relação ao assunto. Em outubro, o eleitor poderá dizer qual narrativa convenceu mais.

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