Imagine a cena: últimas horas antes do fim do prazo para registro de chapas para disputar as eleições para deputados estaduais e federais, na sede de um dos maiores partidos do Estado, dirigentes disparam telefonemas para mulheres filiadas que aceitem ceder seus nomes como candidatas. Aconteceu nas eleições do ano passado e não se tratava de um problema isolado nem inédito.
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A criação das cotas mínima de 30% para candidaturas de cada gênero – mais conhecida na prática como cota feminina – e a posterior decisão de que esse percentual se estende também aos gastos com fundo eleitoral não fizeram, por si sós, aumentar a participação efetiva das candidatas. Por isso cenas como a descrita no começo do texto entraram para o folclore político. Inclua aí as candidaturas-laranja de mulheres que aceitam colocar seus nomes apenas para que partido ou coligação (quando eram possíveis) pudessem chegar aos 30%. Este ano, a Justiça Eleitoral dá sinais claros de que a seleção de mulheres candidatas nas eleições para vereador em 2020 terá que ser levada mais a sério.
A cidade catarinense de Sombrio, no Sul do Estado, foi a segunda no país a ter vereadores cassados pela nova posição dos ministros do TSE de que uma laranja contamina a chapa toda. A fraude na cota de gênero foi denunciada em reportagens da NSC TV, que depois viraram processo. Um efeito suspensivo no TRE-SC havia evitado as punições, mas semana passada a corte em Brasília determinou a cassação do vereador Fabiano Pinho (PSDB).
Antigamente, o caso das laranjas poderia render multas irrisórias e inelegibilidades futuras. A mudança de direção veio este ano, com o TSE estabelecendo no julgamento de um caso de fraude à cota de gênero na cidade baiana de Valença a nova tese de que os eleitos beneficiados pela irregularidade perdem suas vagas. Um jeito didático de fazer os partidos entenderem que a seleção de candidaturas precisa ser levada à sério.
No recente Congresso dos Prefeitos da Fecam, o advogado Alessandro Abreu alertou para esse ponto. Não bastará ter mulheres candidatas, elas precisarão fazer campanha, pedir voto. Não bastará fazer campanha, será preciso provar posteriormente que estava no jogo para valer. O TSE julga casos pontuais remanescentes das eleições de 2016, mas o recado é para o ano que vem e – especialmente – 2022. Os partidos precisam construir agora verdadeiras candidaturas de mulheres para os parlamentos, não nos últimos minutos do prazo.
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