Eleita vice-governadora na chapa liderada por Carlos Moisés (PSL) e impulsionada pela onda que elegeu Jair Bolsonaro (sem partido) presidente da República, Daniela Reinehr (sem partido) teve uma relação turbulenta com o governador ao longo do mandato. Isolada politicamente, criticou o governo pesselista em diversos momentos, tentou buscar caminho próprio, rompeu. Os processos de impeachment em andamento na Assembleia Legislativa, atingindo ambos, acabou reaproximando a dupla eleita em 2018 pela necessidade de juntos sobreviverem à crise política.
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Reaproximação que não exclui a possibilidade Daniela ascender ao cargo caso seja excluída dos processos, o que busca tanto com articulação política quanto na via judicial. Na tarde de quinta, a vice-governadora me recebeu em sua residência oficial para uma conversa sobre o momento político, o impeachment, os erros do Moisés, a retomada do diálogo entre ambos, o novo papel que pode cumprir como vice e a possibilidade de governar Santa Catarina.
Como advogada e como vice-governadora, a senhora acha que o processo de impeachment está sendo conduzido de maneira justa?
Eu gosto de salientar que esse processo é o de equiparação salarial dos procuradores do Estado com os da Assembleia Legislativa, não se trata de outra coisa. Estamos tomando todas as medidas judiciais cabíveis para garantir que o processo, que embora seja na Assembleia e tenha um cunho político muito importante, siga uma legislação e um rito. Juridicamente, para mim é muito tranquilo. Como advogada, eu não posso acreditar que uma tese frágil como esse pedido de impeachment prospere. Não posso vislumbrar que os deputados e uma câmara mista vão avalizar um processo com uma fragilidade desse tamanho.
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A senhor e o governador Moisés estão sofrendo um golpe?
Eu não gosto muito da palavra golpe, mas acredito que seria no mínimo uma insensatez. É o único processo com essa tese no país, que pede impedimento de governador e vice. Não por crime eleitoral, mas por crime de responsabilidade, o que não existe, é uma inovação. Não existe na lei essa modalidade. É o primeiro no país. Percebo uma preocupação na sociedade e nos poderes pelos precedentes que isso pode gerar, uma insegurança jurídica lá na frente para todo o Poder Executivo. Termina a harmonia entre os poderes. Arrisco dizer que beira um parlamentarismo.
A senhora acha que o presidente da Alesc, Júlio Garcia, tem legitimidade para conduzir um processo que pode resultar na posse dele como governador?
O presidente do Legislativo é a única pessoa que pode dar andamento a um pedido de impeachment. É para isso que existe o vice. Se pede o impeachment do chefe do Executivo. Colocar o vice nesse processo é um acesso direto do Legislativo ao Executivo, porque somente o presidente da Alesc, deputado Júlio Garcia (PSD), pode dar andamento a esse processo e ele se torna o sucessor. Fica no mínimo suspeito. Seria um caso de suspeição, porque quem dá andamento é quem vai ser ungido ao poder. Justamente por isso não existe a figura do vice legalmente no processo, porque o vice é a garantia para que não haja o acesso direito do Legislativo ao Executivo.
A chapa Moisés/Daniela foi eleita em uma onda eleitoral que é rara na história política do Estado e levou a uma votação de 71% no segundo turno em 2018. A relação entre vocês, no entanto, não foi boa no primeiro ano e meio de mandato. Afastamento, discordâncias suas em relação ao governo, momentos em que a senhora foi isolada da gestão. Esse processo de impeachment serviu para reaproximar a senhora e Moisés?
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Esse processo serviu para mobilizar não só o governo, mas a sociedade catarinense. Eu percebo que todo mundo está envolvido e preocupando com esse processo. O governador Moisés e eu viemos no mesmo propósito, defendemos a mesma proposta ao eleitor catarinense e nos elegemos com 71% dos votos. Foi o maior percentual aferido até então, alinhados ao governo federal (o presidente Jair Bolsonaro recebeu 75% dos votos em SC). É algo inédito e graças a Deus eu tenho uma relação muito boa com o governo federal. Mas eu tenho convicção de que houve muitos equívocos e tenho certeza de que o governador Moisés também percebeu. Eu acredito que o ressentimento, que ficar batendo no que não deu certo é desperdiçar energia que deveria estar sendo usada pelo desenvolvimento do nosso Estado, pela recuperação da economia.
A conversa com o governador Moisés está mais frequente, há um entrosamento maior entre vocês neste momento?
Antes não havia conversa. Hoje a gente está conseguindo conversar. Antes de ir a Brasília, semana passada, inclusive diante do colegiado eu perguntei o que cada pasta precisava, quando as demandas que a gente deveria buscar lá. Sempre busquei essa conversa, mas (não acontecia) por barreiras e por equívocos que aconteceram e eu realmente pretendo deixar para trás. De uma coisa eu tenho certeza: se nós passarmos esta crise política que vivemos hoje, independente do cargo que eu exercer lá na frente, os meus esforços serão pelo desenvolvimento do Estado e eu acredito que Santa Catarina vai ser o primeiro Estado a conseguir chegar no auge da economia e superar a crise de saúde que a gente está sofrendo neste momento.
Se o governador Moisés e a senhora sobreviverem ao impeachment, acredita que seu papel no governo como vice será mais protagonista do que um ano atrás?
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Eu tenho certeza disso. Até porque antes eu acabei aceitando algumas coisas que hoje eu deixei claro que não vou aceitar mais. Talvez por ter muito respeito à ordem dos fatores governador/vice. Mas eu sempre tive posicionamentos muito firmes internamente. Só levei a público alguns posicionamentos pontuais no sentido de revertê-los, quando tinha convicção de que aquilo não podia acontecer. Eu fui a público, dentro do que eu tinha conhecimento e do que me é facultado como vice, que tem limitações e obrigações legais. Uma dessas obrigações é respeitar o governador. Por mais que eu quisesse fazer diferente, o governador era ele. Mas tenho certeza de que muito se aprendeu durante este processo, tenho certeza de que o governador também entendeu o processo de uma forma diferente. E se eu já tinha um bom contato com o governo federal, neste período melhorou muito. Inclusive pelas conversas que tive com outros políticos, deputados federais, senadores, pessoas com mais experiência que eu.
Onde a senhora acha que o governador Moisés errou na relação com o parlamento para hoje não conseguir garantir os 14 votos em 40 que precisa para sobreviver ao impeachment?
Não posso te falar em relação aos votos, mas eu me recuso a acreditar que os deputados vão fugir do que a lei e o bem de Santa Catarina pedem. Mesmo eles tendo essa autonomia de votação, existe uma legislação muito clara a respeito e eu como advogada tenho que acreditar nisso.
Mas não é só a questão do impeachment, o governo não conseguiu construir uma base parlamentar mínima…
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Faltou diálogo, faltou coalizão, mas não gosto de falar do que faltou. Gosto de aprender com o que deu errado e falar de daqui para frente como tem que ser. De agora em diante tem que se fazer um governo de coalizão, focado no desenvolvimento de Santa Catarina. É minha grande vontade. Santa Catarina é um Estado em que todo mundo gostaria de investir e temos que mostrar o que temos de bom para o mundo inteiro.
Caso haja o impeachment apenas do governador Moisés, a senhora está pronta para assumir o governo do Estado?
(pausa, respira profundamente) Sim. Desde que me coloquei como candidata a vice, entendendo que é a sucessão natural, que o vice é para assumir o governo quando e se houver necessidade, desde aquele momento eu estava pronta. É uma continuidade do trabalho. Mesmo que de forma paralela e não conectada com o governador, eu sempre busquei as minhas pautas e consegui conquistas importantes junto ao governo federal e aos secretários aqui. Tenho certeza de que a independentemente da função que eu venha a exercer daqui para frente, tenho certeza de que conseguimos colocar Santa Catarina no topo novamente rapidinho.
São dois pedidos de impeachment em análise na Assembleia Legislativa, um sobre a equiparação salarial dos procuradores e outro sobre irregularidades nas compras da pandemia, com foco no caso dos respiradores fantasmas. Ambos os pedidos apontam a senhora como omissa nos casos. A senhora foi omissa?
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É extremamente injusta essa acusação, tanto que é o primeiro caso no país que pede impeachment de governador e vice. O primeiro caso, dos procuradores, eu fiquei sabendo pela imprensa. Inclusive, os dias que constam no processo de que eu estava no governo não conferem. Assumi interinamente o governo no dia 6 de janeiro e saí dia 17 de janeiro. No dia 15 fiquei sabendo pela imprensa. Imediatamente solicitei informações, iniciei o processo para trazer luz aos fatos, com a cautela que a lei me faculta enquanto governadora em exercício. Esse processo foi iniciado, não há que se falar em omissão. Também é importante ressaltar que não cabe ao governador em exercício ou ao vice revisar, asseverar ou ratificar qualquer ato do governo anterior. A obrigação é dar continuidade. Imagina se o presidente da República viaja, entra em férias ou sai e o vice-presidente muda tudo que ele fez? É importante ver quem tem o poder legal de fiscalizar o Executivo. Isso não é função nem de vice-governador e nem de governador interino. Estão me imputando uma responsabilidade que não me cabe. Mesmo assim, dentro da legislação que me cabe, eu tomei todas as condutas necessárias. Como vice-governadora eu não participei de nenhum ato. O vice é uma expectativa de poder justamente para estar ileso e poder assumir o governo quando houver necessidade e garantir o processo democrático. É um seguro que precisa estar incólume em caso de necessidade. Legalmente, (a acusação de que houve crime de responsabilidade na equiparação salarial dos procuradores) é uma tese frágil. Houve o cumprimento de uma decisão judicial. Além disso, o presidente da Alesc também concedeu aumento aos procuradores (da Alesc). Depois sustou, mês passado, parece. Se o governador Moisés cometeu algum erro, a Alesc também.
Daniela Reinehr acha que Carlos Moisés da Silva merece o impeachment por algum desses casos em discussão na Alesc?
A questão dos procuradores teve uma decisão judicial, está judicializada e cabe ao Judiciário dizer o que foi que aconteceu. A questão dos respiradores, também. Quem tem o poder de apurar se houve algum erro, equívoco ou crime está apurando. Eu sou a pessoa que mais quer que seja apurado, que seja encontrado o autor desses fatos, que devolva o dinheiro público gasto indevidamente. É o que se espera, que a Justiça seja feita.
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