Em condições normais de temperatura e pressão política, um ministro que contraria publicamente as orientações do presidente da República é candidato natural a sair da Esplanada pela porta dos fundos. Não estamos. É por isso que a liderança do ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM) na crise do coronavírus tornou-se tão desconfortável para o presidente Jair Bolsonaro.

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Antes do vírus, o presidente sempre fez questão de deixar claro que não aceitaria maior protagonismo de seus ministros. Todos os que foram aventados como “superministros”, quase que imediatamente foram desautorizados publicamente por Bolsonaro até que aceitassem a posição de coadjuvantes ou deixassem os cargos. No primeiro grupo, dos que ficaram, estão Paulo Guedes, da Economia, e Sergio Moro, da Justiça.

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Até o coronavírus tornar-se a grande pauta nacional, Mandetta era um discreto político na Esplanada. Ex-deputado federal, virou ministro em um momento que Onyx Lorenzoni (DEM) portava-se como articulador político do governo Bolsonaro – logo esvaziado e depois removido da Casa Civil para o da Cidadania. E lá estava, protegido pela discrição.

A crise, no entanto, fez de Mandetta um superministro. Falando diariamente à população, o até então discreto ministro mostrou qualidades que fizeram dele referência em meio à crise. A fala clara, direta, o tom ameno, assertivo quando necessário, bem humorado quando possível, alçaram Mandetta ao status de líder.

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Bolsonaro agiu com o ministro da Saúde como fez com todos os que destacaram na Esplanada – contrariou publicamente e o colocou na frigideira. Diferentemente de Moro e Guedes, Mandetta reagiu publicamente também – manteve suas posições, contrariou o presidente, escolhendo bem as palavras, brincou com a situação. Disse claramente que entre o que diz o presidente e as medidas de isolamento determinadas pelos governadores, as pessoas devem ouvir os governadores. Sobre as divergências com Bolsonaro, disse que “o médico não pode abandonar o paciente”.

Na pesquisa Datafolha do último final de semana, a confirmação de que Mandetta é hoje uma das figuras mais populares do país: 76% de ótimo e bom para sua atuação na crise do coronavírus, contra 33% de Bolsonaro (que ostenta impressionantes 39% de ruim e péssimo nessa seara). Mandetta tornara-se um ministro indemitível em um governo que não tolera esse tipo de situação.

Assim, vivemos uma segunda-feira com os rumores da demissão do indemitível. Bolsonaro almoçou com o ex-ministro e deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), que vem se manifestando nas redes sociais com posições opostas a de Mandetta sobre o isolamento social. Depois do encontro, vazou a decisão da demissão. As reações foram fortes – do Legislativo, do Judiciário, nas redes sociais e até na entrada do Ministério da Saúde, onde funcionários da pasta se juntaram para mostrar que estão juntos com o ministro.

Aparentemente, Bolsonaro recuou. Não tem hoje força política para sustentar a narrativa da demissão de um ministro que virou a cara do governo na crise do coronavírus. Uma cara que, muitas vezes, é a de um anti-Bolsonaro – aquele perfil que boa parte do mundo da política tenta encontrar para 2022. Talvez isso explique o desconforto do presidente. Diante do recuo, se confirmado e mantido, será a vez de ver como reage Mandetta. Se adequa o tom para continuar no cargo ou se mantém a firmeza que fez dele uma liderança em tempos de crise.

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