Um efeito colateral da crise do coronavírus é essa lição que estamos vivendo sobre o pacto federativo. Claro que vem de uma forma torta, como tudo tem vindo neste Brasil distópico e pandêmico, mas estamos discutindo autoridades e competências de prefeitos, governadores e do presidente da República. A tendência é de que a discussão cresça nas próximas semanas.
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Na quarta-feira, o presidente Jair Bolsonaro fez o mais ameno de seus pronunciamentos em cadeia nacional. Nele citou que governadores e prefeitos são os responsáveis pelas medidas restritivas impostas para para tentar conter a disseminação do coronavírus antes que a rede de saúde tenha condições de atender uma provável explosão de casos. Na quinta, a comunicação de seu governo criou uma peça publicitária sobre o benefício emergencial de R$ 600 deixando claro que ele é federal, não de governadores e prefeitos. Ou seja, Bolsonaro colhe seus louros e se exime dos desgastes.
Aqui em Santa Catarina há um movimento que guarda semelhança. Pressionado por grupos empresariais e políticos, além de parte da sociedade afinada com o discurso de Bolsonaro de que é preciso preservar a economia, o governador Carlos Moisés (PSL) vai anunciando afrouxamento das restrições impostas especialmente ao comércio. Não deixa de ser uma forma de diluir a pressão que recebe com os 295 prefeitos catarinenses.
Moisés deixa claro que a orientação ainda é de que as pessoas se mantenham em casa, mas diz que entramos na etapa de aprender a conviver com o vírus. Mantém o principal instrumento garantidor do isolamento social, que é a proibição do transporte coletivo, mas acena com a liberação do comércio – shoppings excluídos, por enquanto. Ao mesmo tempo, o governador enfatiza que os prefeitos poderão tomar medidas mais restritivas se considerarem que são necessárias em suas cidades. Moisés, que no primeiro momento impôs-se para garantir um comportamento padrão no Estado, agora pulveriza sua autoridade.
Autoridade é uma palavra que merece um olhar atento neste momento. Bolsonaro amenizou o tom e disse que as restrições não estão na sua esfera basicamente porque não conseguiu impor sua narrativa – e nem mesmo demitir, ainda, o ministro da Saúde que o contraria nas falas sobre isolamento. Isso é falta de autoridade – ou alguém acha que um presidente empoderado precisaria dar voltinhas pelas padarias do Distrito Federal para mostrar que ninguém manda nele?
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Aqui no Estado, Moisés também sofre uma crise de autoridade. Ele libera serviços não essenciais porque não consegue mais garantir que continuem fechados. No início da semana, a Assembleia Legislativa deu a senha ao acolher o midiático ato de sustação dos decretos de calamidade pública de Moisés proposto pelo oposicionista Jessé Lopes (PSL). Em seu parecer, seguido por seis dos nove membros da Comissão de Constituição e Justiça, Maurício Eskudlark (PL) defendeu a tese de que deve-se dar aos prefeitos o poder de definir as restrições em suas cidades. Moisés vai ceder antes que se esgotem os 10 dias do prazo para justificar os decretos e as medidas de isolamento.
Fica a impressão de que o governador teve a autoridade abalada quando titubeou em anunciar um afrouxamento das restrições e depois voltar atrás. Não ganhou apoios entre os que o criticavam e perdeu a confiança entre parte dos defensores do isolamento. Acabou eclipsado, desde então, pelo prefeito de Florianópolis, Gean Loureiro (DEM), que veio a público dizer que manteria as restrições na Capital – ganhando projeção até nacional. Agora, com a nova posição de Moisés, chegou a vez dos prefeitos terem sua autoridade colocada na berlinda da guerra de narrativas da falsa polarização entre saúde e economia. Isso, claro, até a realidade se impor.