Em uma apresentação que se tornaria notória mais pela usual mistura de perfeccionismo e rabugice do que pelo genialidade de inventor da bossanova, João Gilberto respondeu a um público hostil que “vaia de bêbado não vale”. É próprio das vaias que elas sejam imediatamente desautorizadas por quem as ouve.

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Resgato essa frase de João Gilberto em 1999 e falo de vaias neste espaço porque na semana que passou a política catarinense viveu um desses episódios. Pela primeira vez desde que assumiu o comando do Estado à bordo da surpreendente onda eleitoral de 2018, o governador Carlos Moisés (PSL) encarou uma vaia em evento público. Não era qualquer evento: a mensagem anual do governador que abre o ano parlamentar na Assembleia Legislativa.

A arapuca estava previamente formada, com a convocação de policiais civis, professores e sindicalistas para protestar contra a reforma da previdência – encaminhada no final do ano passado à Alesc, mas deixada para ser analisada em 2020 por decisão dos líderes partidários. A soma de interesses levou à vaia ouvida na chegada de Moisés ao plenário, no início e no fim de seu discurso.

Um breve discurso. Os quatro minutos e trinta segundos talvez tenham sido a menor mensagem governamental ao parlamento catarinense em toda a história. Neles, Moisés mostrou-se otimista, exaltou o primeiro ano de gestão, falou em eficiência, transparência, inovação. Convidou os deputados a compartilharem “dessa caminhada”, para ajudar a “construir soluções para Santa Catarina”. Nenhuma palavra sobre a reforma da previdência que gerava tanta atenção e os gritos de “retira, retira” que vinham das galerias.

Na sequência, foi a vez do presidente da Alesc, Júlio Garcia (PSD), tomar a palavra. O pessedista foi na direção oposta à do governador: focou sua fala na reforma da previdência, encarou a vaia – chegando a interromper a fala em alguns momentos. Ressaltou que a proposta viera “no apagar das luzes”, mas que o parlamento rejeitou a ideia de aprová-la sem ampla discussão. Prometeu ouvir os servidores e aprovar um texto de “bom senso”.

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No mundo político catarinense, Carlos Moisés e Júlio Garcia são antípodas. Sabem disso. São sempre curiosos os momentos em que precisam interagir. A reforma da previdência é um desses momentos. Ao final do evento, muitos minimizaram a vaia das galerias lotadas na Alesc por serem de funcionários públicos. As corporações são as inimigas da reforma da previdência, diz uma narrativa em voga. É uma espécie de “vaia de bêbado não vale”. Veremos como essas vaias chegam aos sensíveis ouvidos parlamentares nas próximas semanas.

Publicado nas edições de DC Revista, AN Revista e Santa Revista de 8/2/2020

Leia a coluna da semana anterior:

Um beijo e um agrado: a reaproximação de Moisés e Daniela