Coube ao deputado estadual Vicente Caropreso (PSDB) definir em uma frase um problema que vivemos junto com o coronavírus e seus efeitos sobre a saúde e a economia dos brasileiros. Foi durante a reunião virtual chamada pela Assembleia Legislativa para sabatinar os secretários Helton Zeferino, da Saúde, e João Batista Cordeiro, da Defesa Civil, sobre o polêmico hospital de campanha que o governo quer instalar em Itajaí. O tucano abriu sua fala com uma constatação que vale tanto para Santa Catarina quanto para Brasília:

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– Vivemos uma crise de falta de política.

Quem lê esta coluna sabe que venho há algum tempo falando sobre a necessidade de resgatar o valor da política, de desestigmatizar a palavra. No dicionário – recorro aqui ao Houaiss -, são várias as definições no verbete “política”. Destaco aqui o principal, “arte ou ciência de governar”, mas observo também a “habilidade no relacionar-se com os outros tendo em vista a obtenção dos resultados desejados”.

Essas duas definições de política no dicionário Houaiss são suficientes para entendermos o significado da frase de Caropreso. Em Brasília, a falta de sintonia entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta virou uma cansativa novela sobre quem define os rumos do governo federal no combate à pandemia, quem é mais protagonista, quem é mais popular. A corda estourou em que quem não tem voto, é assim que costuma acontecer. Mas o Brasil precisava mesmo ter visto essa corda estourar? Foi, sim, uma crise de falta de política.

Aqui em Santa Catarina a semana também foi marcada pela ausência daquela definição de política marcada na habilidade do diálogo para o convencimento. O governador Carlos Moisés (PSL) começa a se isolar junto aos poucos que ouve e os efeitos são nítidos. A Assembleia Legislativa virou antagonista do governador na crise – nem mesmo o MDB, que lhe dava suporte, tem sido dócil às decisões do governador. Na frágil base aliada que conquistou existe uma sensação de que os votos não garantem acesso às decisões – ou mesmo aos debates que levam às importantes e polêmicas decisões de governo em meio à pandemia. Note que Caropreso – autor da frase que inspira o texto – é médico, já foi secretário estadual de Saúde e integra a tal base governista. Se ele não é ouvido, quem é?

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Assim, o parlamento sai votando projetos de lei que se abrigam no vácuo decisório de Moisés nas questões da economia ou, o que é pior, ameaçando revogar decisões do governador nas restrições impostas à sociedade para frear a disseminação do vírus. No horizonte, sim, uma crise de falta de política.

Como disse antes, precisamos resgatar a palavra “política” do atual sentido negativo que ela carrega junto à sociedade. É tarefa de uma geração essa reconstrução. Ela precisa ser dissociada de sua variação nefasta – a politicagem. Curiosamente, é o verbete seguinte no Houaiss, que a define como “política de interesses pessoais, de troca de favores ou de realizações insignificantes”. Moisés e os deputados só vão acertar os ponteiros quando aprenderem a diferenciar esses dois verbetes.

Artigo publicado nas revistas DC, AN e Santa de 18 de abril de 2020