O presidente Jair Bolsonaro colocou Nelson Teich no Ministério da Saúde com uma missão clara: ser o oposto de Luiz Henrique Mandetta, o antecessor que ganhou luzes demais ao falar diariamente sobre as ações da pasta no combate à crise do coronavírus. De cara, o novo ministro parecia atender aos requisitos mínimos – em vez do médico-político, o médico-empresário; em vez da fala clara e cativante, discurso vago e confuso; em vez da contraposição pública ao chefe, a escolha precavida das palavras. Estava claro que não haveria holofote que conseguisse fazer Teich brilhar. Mesmo assim, ele deixou o cargo pouco antes de completar um mês como ministro.
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Com tantas diferenças em relação a Mandetta, Teich deixou o Ministério da Saúde por causa de duas das poucas características que os unem: são médicos e têm biografia a zelar. Nestes tempos de Brasil pandêmico, temos visto a palavra biografia ser contraposta ao termo patriotismo – como se optar por um fosse prescindir de outro. Quando Sérgio Moro deixou o Ministério da Justiça e aprofundou a crise política do governo Bolsonaro, foi acusado pelo presidente e por aliados de optar pela biografia e não pela pátria.
Esse ponto aproxima as duas demissões de ministro. Ambas são justificadas por interferência do presidente nos rumos das pastas. No caso desta nova demissão na Saúde, Teich também foi anti-Mandetta. Não se dispôs a suportar a pressão diária da desautorização pública, a desmoralização de ver o chefe tomar decisões referentes à pasta sem mínima consulta. A crise da vez tem nome: hidroxicloroquina, o remédio cujos estudos vêm atestando pouca eficácia no combate ao covid-19, mas que o presidente trata como se fosse o elixir da cura negado pelos médicos em uma conspiração mundial para tirá-lo do poder. Teich é mais um médico a falar dos riscos do uso indiscriminado do remédio e vinha sendo desautorizado quase que diariamente.
Falando sobre a crise que envolve Moro e denúncia de que tentava interferir no trabalho do ex-ministro, Bolsonaro já disse, textualmente, em entrevista à Rádio Bandeirantes: “eu interfiro, ponto final”. Isso vai ter que ficar muito claro a qualquer candidato a ministro de seu governo. Ele interfere, ponto final. Parafraseando a inscrição na entrada do Inferno de Dante, pode-se colocar a seguinte frase na Esplanada dos Ministérios: deixai toda sua biografia, vós que entrais. Da frase original do texto de Dante, a palavra esperança fica para nós, como última coisa que resta em um país que enfrenta uma pandemia com a mais inadequada geração de políticos no poder.
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