Existem momentos que são emblemáticos para a gente parar e ver em que situação estamos metidos. Na véspera do 7 de setembro, Dia da Independência, o candidato a presidente que lidera as pesquisas é esfaqueado em plena campanha de rua. O mesmo candidato que surfa na onda do ódio à política e que brincou em um palanque sobre fuzilar adversários – poucos dias antes do atentado.
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Isso não é um atenuante ao ataque. Nos ombros de seus apoiadores na cidade de Juiz de Fora, Jair Bolsonaro não era apenas o polêmico candidato a presidente pelo PSL. Entre os seus apaixonados militantes, pedindo voto, Bolsonaro era a democracia brasileira. A facada dada por um tresloucado atinge a todos, não apenas aos que comungam com as ideias do deputado e capitão aposentado do Exército que virou presidenciável.
O fato em si é um crime e dessa forma deve ser tratado, sem relativizações. Se foi gesto isolado do criminoso confesso, se houve participação de outras pessoas, a que interesses atendia, tudo isso deve ser investigado. Tentativa de homicídio não merece outro tratamento. Além do fato em si, no entanto há o símbolo. A democracia golpeada – e não importa nem mesmo o desapreço que setores do bolsonarismo demonstram em relação à democracia – é intolerável.
O Brasil está doente. Está em curto-circuito desde junho de 2013, quando uma multidão gritou que o rei estava nu. As ruas foram tomadas por brasileiros insatisfeitos – à esquerda e à direita – que até então se mantinham silenciosos diante de um delírio olímpico e mundial que fazia a festa de um seleto clube de empreiteiros e políticos.
As eleições de 2014 potencializaram a raiva, com uma repetição em tom de farsa da velha rivalidade entre petistas e tucanos que não contemplava mais o país, se é que contemplou um dia. A Operação Lava-Jato descortinou a promíscua relação entre políticos e financiadores, mas generalizou comportamentos. A imprensa, mergulhada em suas próprias pautas e na onda da antipolítica, não soube separar o joio do trigo. Todos temos um pouco de culpa no envenenamento da sociedade e nesse clima em que vivemos hoje, culminando no atentado a um presidenciável.
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No início do ano, a caravana do ex-presidente Lula pelo Sul do Brasil foi recebida com piquetes, protesto e até um tiro a um dos ônibus que a integrava – no interior do Paraná. Na época, os petistas esbravejaram e os antipetistas duvidaram. Agora, com Bolsonaro, acontece o mesmo, com os polos invertidos. Não se trata de Lula ou Bolsonaro. A violência precisa ser condenada sumariamente, especialmente contra o opositores – é muito fácil ser solidário com os afins.
O Brasil precisa sair do transe em que está, buscar o convívio, a tolerância, deixar as ideias brigarem, não as pessoas. O veneno precisa ser combatido, a sociedade pacificada. Quem for eleito presidente nas eleições deste ano será o comandante do país em 2022, ano do bicentenário da Independência. O eleito, seja quem for, precisa ter como meta entregar ao final de seu mandato um país que consiga conviver e, por que não, amar suas diferenças.