“A história de uma mentira, o fim de um governo, a reparação de um erro”. É com essa carga dramática que o deputado estadual Ivan Naatz (PL), relator da CPI dos Respiradores, inicia o vídeo em que comenta o que ele chama de contradições nas respostas enviadas pelo governador Carlos Moisés (PSL) em referência à participação na nebulosa compra de 200 respiradores de UTI que custaram R$ 33 milhões e nunca foram entregues. Está claro, assim, o tom que Naatz pretende dar ao relatório que promete entregar até o fim do mês.

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Com base nas investigações da CPI dos Respiradores, que correram paralelamente às da Polícia Civil e do Ministério Público Estadual na Operação O2, o relator antecipa com suas manifestações que colocará o governador Carlos Moisés em posição de destaque na desastrosa compra, como alguém que teria conhecimento de detalhes administrativos da negociação com a importadora Veigamed, incluindo o pagamento antecipado realizado no dia 1o de abril.

Nas respostas ao questionário de 15 perguntas encaminhadas pela CPI, Moisés afirma que só teve conhecimento desses detalhes em 20 e 22 de abril – na primeira data, o ex-secretário Hélton Zeferino, da Saúde, teria comunicado que havia problemas na entrega dos respiradores que viriam da China; na segunda, que o pagamento já havia sido realizado. Até agora, nos depoimentos realizados à CPI não houve quem dissesse que Moisés sabia do pagamento antes deles serem concretizados. Por isso, a tese de Naatz se escuda em dois documentos assinados pelo governador e em frases soltas das lives que Moisés e secretários realizaram diariamente nos primeiros dias da crise do coronavírus. Com eles, o relator monta o que tem chamado de “cronologia da mentira”.

Essa sequência começa em 27 de março, quando ao lado do governador em uma live, o ex-secretário Hélton diz que por falta de respiradores a pronta entrega no Brasil foi necessário fazer uma “compra internacional”. Em outra live, dia 31 de março, é Moisés que diz, ainda sem detalhes, que “foi feita uma aquisição”. A fala acontece na véspera dos dois depósitos à Veigamed, dia 1o de abril, totalizando R$ 33 milhões. Passados alguns dias, em 11 de abril, Moisés diz em mais uma live que “temos processos de importação, estamos lutando para que esses respiradores cheguem aqui”. Na época, pelo que mostram os depoimentos de integrantes e ex-integrantes do governo, já havia dúvidas sobre se a Veigamed conseguiria entregar os respiradores comprados.

Aos trechos de lives, Naatz soma dois documentos assinados pelo governador que não se referem especificamente à compra dos respiradores junto à Veigamed, mas que explicitam que os tema pagamento antecipado estavam em discussão no governo. O primeiro deles, com data de 31 de março, é o projeto de lei encaminhado pela Casa Civil à Assembleia Legislativa para autorizar esse tipo de compra quando vinculado à pandemia. Foi retirado no mesmo dia, segundo o governo por ter sido encaminhado antes da discussão estar concluída internamente.

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O segundo é uma consulta do Tribunal de Contas do Estado (TCE) feita pelo governo, com assinatura de Moisés, no dia 2 de abril, pedindo orientações sobre pagamento antecipado. A resposta veio dois dias depois, com o TCE recomendando que não se procedesse assim, mas admitindo a possibilidade de realização desde que fossem dadas garantias pela empresa. A consulta é genérica – foi formulada e respondida quando o governo há havia pago os R$ 33 milhões à Veigamed.

No início dos trabalhos da CPI, Naatz afirmou em entrevista que me concedeu que seria um relator imparcial. No entanto, o tom de suas falas – e muitas vezes durante os depoimentos – é o de líder da oposição, cargo que também ocupa. A CPI é uma investigação política e hoje Moisés não tem quem o defenda explicitamente nem na comissão e nem no plenário – é um governo nas cordas.

Politicamente, Naatz firmou uma convicção que já tinha: a de que Moisés estava envolvido na compra que já derrubou dois secretários (Helton e Douglas Borba, da Casa Civil), uma superintendente (Márcia Regina Pauli, da Saúde, que apertou o botão do pagamento antecipado) e um controlador-geral (Luiz Felipe Ferreira). Agora, partirá de vez para cima de Moisés.

Entenda a cronologia exposta por Naatz

27 de março – Ex-secretário Helton Zeferino, da Saúde diz que foi necessário fazer uma compra internacional, sem especificar.

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31 de março – Projeto de Lei autorizando pagamento antecipado em compras referentes ao Covid-19 é enviado pelo governo à Alesc, mas retirado horas depois. No mesmo dia, em live Moisés diz que foi feita uma aquisição de respiradores.

1 de abril – Veigamed recebe os R$ 33 milhões, pagamento feito pela Secretaria da Saúde sem exigência de garantias.

2 de abril – Governo consulta o TCE sobre como proceder em compras com pagamento antecipado.

4 de abril – TCE recomenda que não sejam feitos pagamentos antecipados, mas admite que possa ser feito, desde que haja garantias.

11 de abril – Moisés em live diz que “temos processos de importação, estamos lutando para que esses respiradores cheguem aqui”.

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20 de abril – Segundo Moisés, data em que Hélton comunica as dificuldades para trazer da China os respiradores comprados através da Veigamed.

22 de abril – Segundo Moisés, data em que Hélton afirma a ele que o pagamento fora feito de forma antecipada.

28 de abril – Reportagem do The Intercept traz à tona o caso dos respiradores fantasmas

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