Da mesma forma que já havia tentado no final do último ano de Raimundo Colombo (PSD) à frente do governo do Estado, em 2017, a Assembleia Legislativa mais uma vez votou discretamente um dispositivo para legalizar o uso da bilionário dívida do Invesc como crédito de ICMS. Uma emenda foi incluída e aprovada em um dos projetos que regulamentaram os incentivos fiscais na última sessão de 2019, mas acabou vetada pelo governador Carlos Moisés (PSL).

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Esse veto precisará ser analisado pela Assembleia Legislativa na volta do recesso – o que deve causar certo déjà vu nos parlamentares que já estavam na Casa na legislatura passada. Isso porque o modus operandi repete o que foi feito naquele período de transição entre os governos de Colombo e Eduardo Pinho Moreira (MDB). Na época, a emenda que permitia aos portadores de debêntures do Invesc amortizar os valores no pagamento de ICMS entrou de contrabando — ou jabuti, como dizem nos parlamentos — em um projeto de refinanciamento de dívidas fiscais.

O jabuti foi vetado por Colombo, mas o veto foi derrubado pelos parlamentares – articulação liderada pelo deputado estadual Marcos Vieira (PSDB), autor das emendas de 2017 e 2019, que há anos defende que o governo precisa regularizar essa dívida hoje judicializada. Ao assumir como governador, em fevereiro de 2018, Pinho Moreira acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação direta de inconstitucionalidade sobre a medida. O emedebista fez o gesto com alarde, alegando que a dívida estimada do Invesc é de R$ 6,8 bilhões — equivalente na época a um terço do orçamento anual que ele assumia. Uma liminar do ministro Gilmar Mendes suspendeu a eficácia da regra até que ela seja julgada pela corte — e desde então o caso está parado em Brasília.

Foi nesse contexto que o assunto voltou, mais uma vez, na surdina. O projeto encaminhado pelo governo Moisés em novembro do ano passado para regularizar os incentivos fiscais que ainda estavam fora da legislação ganhou na Comissão de Finanças um artigo extra, escrito naquele estilo em que apenas olhos muito experimentados conseguem enxergar a intenção do legislador. Transcrevo:

Art. 18.Com fundamento no Convênio ICMS 19/19, do CONFAZ, ficam convalidados os incentivos e os benefícios fiscais do ICMS, ainda que cancelados e remitidos os créditos tributários, concedidos até 31 de agosto de 2019, com base no inciso X do caput e no § 1º do art. 7º do Anexo 2, os incisos XXII, XXV e XXXV do capute os §§ 20, 24, 31 e 32 do art. 15 do Anexo 2, o inciso XI do capute os §§ 20 e 21 do art. 21 do Anexo 2,o art. 8º e o art. 266 do Anexo 6, todos do RICMS, e o art. 8º, II, da Lei nº 9.940, de 19 de outubro de 1995.

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Entendeu algo, leitor? O que importa ali é apenas o “ficam convalidados os incentivos e os benefícios fiscais do ICMS, ainda que cancelados e remitidos os créditos tributários” e o final, quando citada a lei 9.940 de 19 de outubro de 1995 — a que que criou o famigerado Invesc. Moisés vetou o dispositivo com base em parecer da Procuradoria Geral do Estado que, em resumo, aponta ele é ilegal na forma e no conteúdo, além de lembrar que o STF ainda precisa analisar caso semelhante.

Mas, afinal, o que era o Invesc? A Invesc foi uma estatal criada no governo de Paulo Afonso Vieira (PMDB) com o objetivo de captar recursos no sistema financeiro para financiar obras no Estado. Ela emitiu 10 mil debêntures no mercado em 1995, que resultaram na captação de R$ 104 milhões, valor da época. Esse dinheiro entrou no caixa. Quem comprou as debêntures tinha como promessa o pagamento de juros de 14% ao ano, atualizados ao longo do tempo, e como garantia 30% das ações da Celesc.

As debêntures deveriam ter sido resgatadas em outubro de 2000, quando a questão já estava judicializada no governo de Esperidião Amin (PP) — que questionou a lisura da operação. O pepista sempre defendeu que quem participou da operação sabia que o negócio de era de risco e não deve ser indenizado — além das ações da Celesc que o governo à época deu como garantia e perdeu. Desde então, o caso se arrasta.

A partir do final dos anos 2000, grupos empresariais saíram comprando essas debêntures por valores muito abaixo do valor de face com o objetivo de fazer esse abatimento posterior no ICMS. É daí que vem a pressão para a solução dessa equação bilionária — e que, como podemos perceber, tem simpatia no parlamento e gera muita apreensão no governo estadual.

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