Coube a Douglas Borba ser o último a falar na longa acareação iniciada na tarde de terça-feira e que avançou o início da madrugada em mais uma maratônica reunião da CPI dos Respiradores. Abatido, ele ressaltou que muitos foram os erros que levaram à desastrosa, palavra dele, compra dos 200 equipamentos com pagamento antecipado de R$ 33 milhões. Mas, ressaltou, mais ainda, que era ele – Borba – o único que sairia dali de volta para a cela da Diretoria Estadual de Investigações Criminais (Deic).

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Leia tudo sobre o caso dos respiradores

A fala se dirigia aos colegas de acareação, antes colegas de governo, Helton Zeferino (ex-secretário da Saúde) e Mária Regina Pauli (ex-superintendente de gestão administrativa da pasta). Era do conflito nas versões desse trio que se esperava elucidar o que deu errado – e quem são os culpados – em uma compra já se pode chamar de imprudente, amadora e inaceitável, mas que ainda se busca comprovar a existência de má-fé, corrupção.

Borba é acusado de ter intermediado a chegada da proposta da improvável Veigamed à Secretaria da Saúde, colocando um advogado amigo de Biguaçu em contato com Márcia Regina. Ela relata pressão por parte de Borba, ex-homem forte do governo Carlos Moisés (PSL) e, ao mesmo tempo, que Hélton Zeferino deu o aval para a negociação. Hélton diz que não autorizou o pagamento antecipado, pelo qual responsabiliza a servidora.

Em sua fala final, Borba disse que nunca acreditou que Márcia e Hélton tivessem errado de propósito – mas que o conflito nas versões deles era em parte responsável por ele estar preso preventivamente. Não apenas, já que Borba foi preso na segunda fase da Operação O2 por estar supostamente obstruindo a investigação ao apagar mensagens que trocou com outros investigados. Na quarta-feira, vazaram fotos dele com o uniforme laranja característico do sistema prisional, após a transferência da Deic para o presídio. Se alguém previsse essa cena em janeiro deste ano, seria chamado de maluco ou exagerado.

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Douglas Borba iniciou 2020 vivendo o auge de uma meteórica trajetória na política catarinense. Era tido como o principal nome do governo Carlos Moisés: articulador político, supervisor de gestão, porta-voz das decisões do governador. O governo vivia seu grande momento também, com a reabertura da Ponte Hercílio Luz – nada parecia impossível à chamada nova política.

Foi naquela época que Borba passou a acumular a Secretaria da Casa Civil com a secretaria-geral do PSL catarinense, no momento em que o partido esvaziou com a decisão do presidente Jair Bolsonaro de deixar a legenda. Cabia ao secretário-geral fazer o PSL-SC ter “a cara do governador” nas eleições municipais. Na prática, as tarefas no partido e no governo conflitaram, criaram atritos na frágil base parlamentar conquistada no primeiro ano de mandato – incomodada com o assédio a aliados no interior. Mas isso, por si só, não permitia vislumbrar a mudança de cenário que viria.

Borba era vereador em Biguaçu, cidade da Grande de Florianópolis, quando apareceu altivo, confiante e otimista ao lado do então candidato Comandante Moisés nos debates do segundo turno das eleições para governador em 2018. A cena era por demais improvável para não gerar curiosidade: de um lado, o candidato desconhecido e um vereador de pequena cidade; de outro, toda a estrutura do experiente e articulado Gelson Merisio representada pela presença a seu lado do marqueteiro Fábio Veiga. Naquele momento, no entanto, os improváveis eram favoritos e a vitória veio com 71% dos votos – colada aos 75% alcançados por Bolsonaro entre os catarinenses naquele segundo turno.

Depois de um primeiro ano sem crises reais ou sobressaltos, 2020 trouxe o breve auge e depois a inimaginável pandemia do coronavírus. Em poucos meses, o governo da nova política teve que aprender a ser vidraça. A corajosa decisão de promover amplas restrições à circulação de pessoas logo que foram detectados os primeiros casos no Estado, em março, fez Moisés enfrentar resistências fortes e inevitáveis dos setores econômicos prejudicados e dos antigos aliados bolsonaristas – com o presidente liderando uma cruzada contra as restrições aplicadas por governadores.

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Foi nesse momento, com o Estado parado pelas medidas de Moisés, o medo do avanço da doença e o grito dos inconformados com as restrições que a Secretaria da Saúde promoveu as desesperadas tentativas de importação de respiradores através da Veigamed e da Intelbrás – esta abortada antes que houvesse maior prejuízo.

Ainda há tempo para saber até onde vai esse capítulo da história política catarinense. Se a força-tarefa que reúne Polícia Civil, Ministério Público de SC e Tribunal de Contas vai ou não encontrar as provas de que mais do que uma imensa trapalhada administrativa há também desvio de dinheiro e outros crimes contra o Estado – a principal pergunta. O quanto Moisés sabia ou participava das decisões – outra pergunta importante. Se tudo isso levará a um processo de impeachment, como já enfrenta o governador Wilson Witzel (PSC) no Rio de Janeiro, saberemos nos próximos meses. Uma coisa, no entanto, já podemos dizer e independe das comprovações de culpa dos envolvidos. Douglas Borba não volta mais ao jogo.

Ao encerrar a acareação na CPI, já madrugada de quarta-feira, prestes a voltar para uma cela de prisão, Borba parecia entender isso. O político de Biguaçu foi do céu ao inferno em menos de dois anos, poucas vezes alguém acumulou tanto poder em tão pouco tempo na história de Santa Catarina – e nunca ninguém perdeu tudo tão rápido.

O trabalho como jornalista me fez conversar muitas vezes com Borba entre outubro de 2018 e o início da pandemia. Mais de uma vez, ao ouvir projetos, estratégias, articulações, respondi ao então secretário que ele era muito otimista. Ele respondia que gostava de ser otimista. Talvez, no futuro, olhemos para Borba como a versão catarinense de Ícaro – aquele personagem da mitologia grega que construiu asas e realizou o sonho de voar, mas acabou morto pelo próprio sonho por chegar perto demais do Sol. Ícaro também era muito otimista.

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