Um governador sem experiência política em seu primeiro ano de mandato, um parlamento com mais da metade das cadeiras trocadas, operações da Polícia Federal atingindo nomes do primeiro time da política estadual, lideranças trocando de partido – pouca gente há de negar que 2019 foi um ano como Santa Catarina nunca viveu na política. A seguir, elenco dez temas que mobilizaram o ambiente político catarinense no ano que está terminando.
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O PSL rachou no Brasil e em Santa Catarina antes mesmo de completar um ano no poder

O PSL começou o ano com o desafio de transformar-se em um partido político de fato após ter conquistado mandatos improváveis a bordo da onda formada pela eleição do presidente Jair Bolsonaro, com inédito endosso entre os catarinenses. No entanto, as diferenças e divergências começaram a surgir logo em janeiro, quando Lucas Esmeraldino, derrotado na disputa pelo Senado, tentou manter os deputados federais eleitos fora da executiva estadual da sigla. O primeiro racha acabou contornado, mas outras arestas foram surgindo, especialmente nas entrevistas em que o governador Carlos Moisés pontuava suas diferenças em relação Jair Bolsonaro – no Estadão, na Folha e na Veja. Nessa época, surgiram os pouco esclarecidos pedidos de expulsão dos deputados estaduais Ana Campagnolo e Jessé Lopes, os mais críticos a Moisés. Assim, foi se definindo em Santa Catarina a mesma ruptura que se desenhava em plano nacional entre os chamados bolsonaristas e a ala dos parlamentares ligados ao presidente nacional da legenda, Luciano Bivar. Ao fim, Bolsonaro deixou o PSL para abraçar o projeto de criação do Aliança, enquanto Moisés não só ficou como foi escolhido presidente de honra do partido no Estado. Agora, é cada um por si. Especialmente na Alesc, onde Moisés só conta com dois dos seis eleitos pelo PSL.
Saída do MDB, ingresso no DEM, Operação Chabu: o ano movimentado de Gean Loureiro

No ano em que preparou o terreno para sua candidatura à reeleição como prefeito de Florianópolis, Gean Loureiro viveu dois momentos marcantes – um voluntário, outro não. Em maio, ele decidiu deixar o MDB, apontando como justificava o desgaste nacional da tradicional legenda política. Anunciou que ia focar na gestão e que só escolheria nova legenda no final do ano. Poucos dias depois, acabou alvo da Operação Chabu, da Polícia Federal, que investiga vazamentos de investigações da instituição em Santa Catarina. Passou um dia preso preventivamente, liberado após depoimento, e chegou a ficar uma semana afastado do cargo. Após o incidente, intensificou uma agenda de inauguração de obras e as conversas políticas para filiação a nova legenda. Depois de conversas com Republicanos, Podemos e PSDB, fechou com o DEM em novembro. Dias depois, a Chabu voltou a assombrar, com o indiciamento da PF no inquérito final. Gean nega envolvimento com a quadrilha que vazava as investigações e mantém o ritmo de inaugurações, enquanto espera a decisão da Justiça de aceitar ou não a denúncia que pode torná-lo réu. Certo é que o caso deve ser explorado pelos adversários na campanha eleitoral.
A volta de Júlio Garcia à presidência da Assembleia Legislativa e o indiciamento na Operação Alcatraz

Depois de uma década no Tribunal de Contas do Estado como conselheiro, Júlio Garcia (PSD) retomou a carreira de mandatos eletivos praticamente de onde a deixou em 2008: a presidência da Assembleia Legislativa. De volta ao parlamento, ele iniciou o ano fazendo valer sua liderança e capacidade de articulação política junto ao PSD, onde levou a melhor na queda de braço com Gelson Merisio (hoje no PSDB) e aos poucos ocupava o vácuo político causado pela pouca experiência do governo Carlos Moisés. Nesse contexto, era apontado como possível nome à sucessão, além de patrocinar a filiação do ex-tucano Napoleão Bernardes, ex-prefeito de Blumenau e candidato a vice-governador em 2018. A maré positiva virou com a Operação Alcatraz, deflagrada em maio pela Polícia Federal para investigar corrupção em licitações na Secretaria Estadual de Administração no período em que o afiliado político Nelson Nappi, até hoje preso, ocupava o cargo de secretário-adjunto. Dois imóveis do pessedista receberam busca e apreensão e as investigações o colocavam como beneficiário do suposto esquema. Na Alesc, mostrou força e recebeu solidariedade de deputados de quase todos os partidos. Foi indiciado pela PF em novembro e reagiu com veemência às acusações. Aguarda em 2020 a decisão da Justiça que pode torná-lo réu.
Incentivos fiscais geram batalhas entre governo estadual e setor produtivo na Alesc

O tema mais permanente no parlamento estadual em 2019 foi herdado do ano anterior: a revisão da política de incentivos fiscais. O tema entrou na pauta ainda no governo de Eduardo Pinho Moreira (MDB), pelas mãos do secretário Paulo Eli, da Fazenda, histórico crítico do modelo catarinense de ampla concessão de benefícios para atração de investimentos – especialmente nos governos de Luiz Henrique (PMDB) e Raimundo Colombo (PSD). Foi no fim da gestão do emedebista que foram assinados os primeiros decretos com revisão de incentivos, atingindo produtos que integravam a cesta básica. Carlos Moisés não só manteve Eli no cargo como respaldou a revisão. Logo em fevereiro, o secretário foi dar explicações aos deputados – em uma reunião que desagradou os parlamentares. Ao longo do ano, foram sucessivas idas e vindas, renegociações, setores empresariais reclamando e sendo atendidos – às vezes parcialmente. O ponto alto foi a tentativa de Moisés e Eli de taxar os agrotóxicos, com forte reação no agronegócio. Na área política, o tema fez Colombo voltar à tona com críticas ao aumento de impostos. Ao final, a Assembleia conseguiu botar limites à ampla revisão proposta pelo governo e quase todos saíram discursando que estavam satisfeitos.
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Em busca de espaço no tabuleiro político, Gelson Merisio vira tucano com a bênção de João Dória

Segundo colocado na disputa pelo governo do Estado em 2018, o ex-deputado estadual Gelson Merisio passou o ano em busca de um novo caminho na política. Em rota de colisão com o ex-governador Raimundo Colombo e o presidente da Alesc, Júlio Garcia, decidiu deixar o PSD em maio. Manteve-se discreto a maior parte do tempo, embora tenha feito críticas contundentes ao governo de Carlos Moisés (PSL) em entrevista concedida em setembro. Esteve perto do PP e do Republicanos, mas acabou fechando com o PSDB em novembro. Justificou a escolha pelo atrelamento ao projeto presidencial do governador paulista João Dória, que assinou sua filiação. O próximo passo é fixar seu domicílio eleitoral em Joinville e ajudar a nova presidente estadual Geovânia de Sá a reorganizar o partido no Estado,
CPI da Hercílio Luz vira duelo entre ex-governador Raimundo Colombo e relator Bruno Souza

O passado, o presente e o futuro da Ponte Hercílio Luz fizeram dela um dos grandes personagens de 2019. Se o presente foi pelo visível ritmo de obra em finalização ao longo do ano e o futuro pela expectativa da reinauguração dia 30 de dezembro, o passado foi a pauta da CPI instalada na Alesc para investigar todo o histórico de uma ponte interditada em 1982 e só agora prestes a ser devolvida aos catarinenses. Liderada pelo deputado estadual Bruno Souza (Novo), autor do pedido e relator da CPI, a investigação se estendeu ao longo de 240 dias e analisou todos os contratos, ouviu agentes políticos e empresários ligados a todas as fases da obra. O ponto alto foi o depoimento, a convite, do ex-governador Raimundo Colombo – um verdadeiro duelo entre ele o relator. Ao final, o relatório de Bruno Souza pediu o indiciamento de 20 pessoas e seis empresas, incluindo Colombo. Foi costurado nos bastidores um relatório alternativo, excluindo os nomes e crimes sugeridos pelo deputado do Novo. Ambos os relatório acabaram sendo derrotados na CPI, prevalecendo a solução de Fernando Krelling (MDB) de que fosse retirado o termo “indiciamento” e preservado o restante do conteúdo original. Caberá ao Ministério Público Estadual determinar o que vai para frente da investigação parlamentar.
Um flerte que virou namoro: Carlos Moisés e o MDB

O apoio discreto a Carlos Moisés (PSL) contra Gelson Merisio (ex-PSD) no segundo turno de 2018 e a amigável transição entre o eleito e o ex-governador Eduardo Pinho Moreira (MDB) deixaram no ar que o tradicional MDB poderia ser parceiro da chamada nova política. A expectativa foi se confirmando aos poucos na Assembleia Legislativa, na tramitação e aprovação da reforma administrativa. O diretório estadual do MDB tentou, primeiro ainda sob a gestão de Mauro Mariani e depois com o novo presidente Celso Maldaner, marcar posição de independência, mas a bancada estadual ignorou as sinalizações. Moisés passou a ser constantemente elogiado por deputados emedebistas como Luiz Fernando Vampiro, provável líder do governo em 2020, e Romildo Titon. Em entrevista, Moisés disse que a conquista do apoio foi republicana, sem troca de cargos, mas admitiu que a proximidade com o governo ajuda na tramitação dos pedidos dos parlamentares. Com a saída dos bolsonaristas do PSL, a palavra de ordem no Centro Administrativo é aprofundar a aliança com os emedebistas nas eleições municipais.
Saída do grupo ligado a Paulo Bornhausen do PSB vira uma novela jurídica pelos mandatos do partido

O grupo político liderado pelo ex-deputado federal Paulo Bornhausen sempre viveu o questionamento sobre estar filiado a um partido socialista. Desde 2014 não havia mais o fiador do acordo que colocou o time no PSB, o presidenciável Eduardo Campos, morto em desastre aéreo naquela campanha eleitoral. Nesse tempo todo, a cúpula nacional à esquerda e o grupo liberal catarinense coabitou. A eleição de Jair Bolsonaro (PSL) mudou o cenário: em Brasília, o PSB via uma chance de ocupar um lugar mais destacado à esquerda, em Santa Catarina as lideranças queriam fugir da palavra socialismo. Depois de muitas conversas e articulações, Bornhausen anunciou em uma carta em tom comedido que estava deixando o partido. Dias depois, no entanto, o PSB nacional entra com ação no Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SC) pedindo os mandatos dos deputados estaduais Bruno Souza e Nazareno Martins, que teriam sido discretamente desfiliados pela cúpula estadual de saída. O tom amigável acabou, com o presidente nacional Carlos Siqueira afirmando que não havia acordo com Bornhausen pelos mandatos e admitindo que o grupo não era desejado no partido. Em Brasília, o deputado federal Rodrigo Coelho também entrou em litígio com o partido após votar à favor da reforma da previdência. Foi suspenso e entrou no TSE com pedido de desfiliação. No Estado, Bruno e Nazareno venceram e estão livres. Coelho ainda aguarda o julgamento. Quase todos os ex-socialistas estão desaguando no Podemos, sob presidência estadual de Waldemar Bornhausen, primo de Paulo.
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2019: o ano em que o Tribunal de Justiça condenou políticos de peso a prisão por corrupção

Os meses de novembro e dezembro entraram para a história do Judiciário catarinense. As condenações a prisão do deputado estadual Romildo Titon, ex-presidente da Assembleia Legislativa, e do ex-deputado estadual e ex-prefeito de Lages, Elizeu Mattos, ambos do MDB, são as primeiras do Tribunal de Justiça envolvendo figuras políticas de vulto.
Avaliação do próprio presidente do TJ-SC, desembargador Rodrigo Collaço. Tanto Titon quando Elizeu negam as acusações e recorrem das decisões. Estão, por enquanto, livres da prisão por causa da mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o início do cumprimento das penas já na condenação em segunda instância. No caso de Elizeu, a condenação veio antes de decisão do STF e o início da pena acabou sendo transformada em prisão preventiva pela 3ª Câmara – depois revogada em habeas corpus pelo ministro Gilmar Mendes, que entendeu não existir base para a medida.
As condenações tiveram como base operações do Gaeco, lideradas pelo MP-SC, e atingiram os emedebistas no auge do poder político. Em 2013, a Operação Fundo do Poço foi deflagrada com Titon prestes a assumir a presidência da Assembleia – o que acabou acontecendo, mas não como ele projetava. Em 2014, a Operação Águas Limpas não só afastou Elizeu da prefeitura por quase um ano, como o manteve preso durante boa parte desse tempo.
Políticos trocam de partido, partidos mudam de nome: uma tendência que deve continuar em 2020

Com o sistema partidário de 33 legendas registradas praticamente em colapso depois da onda de renovação política de 2018, lideranças e as próprias legendas usaram o ano para adaptações e reorientações. Assim, mesmo sem janela de torca de partido, diversos nomes procuraram nova morada – alguns já citados nos tópicos anteriores. Quem praticamente deu a largada por o ex-prefeito blumenauense Napoleão Bernardes, candidato a vice na chapa de Mauro Mariani (MDB) em 2018, que trocou o PSDB pelo PSD – onde é colocado como possível nome para o governo em 2022. Outras mudanças importantes aconteceram. O prefeito chapecoense Luciano Buligon decidiu entrar no DEM depois de ser expulso do PSB por apoiar Jair Bolsonaro. Em Blumenau e Balneário Camboriú, os prefeitos Mário Hildebrant e Fabrício de Oliveira deixaram o PSB e ainda não anunciaram a legenda pela quais disputam a reeleição – deve ser o Podemos. Na Alesc, Bruno Souza foi para o Novo, enquanto Nazareno Martins está com um pé no Podemos; Ivan Naatz conseguiu no TRE-SC o direito de deixar o PV e já atua como PL. Além deles, o deputado estadual Kennedy Nunes analisa propostas enquanto espera carta de autorização do PSD nacional para deixar o partido. Olhando para a disputa pela prefeitura da Capital, o vereador Pedrão (PP) já foi conquistado pelo senador Jorginho Mello para o PL. Enquanto os políticos se mexem, os partidos também tentam mudar alguma coisa. O PR voltou a se chamar PL – havia mudado de nome em 2006. O PRB passou a ser Republicanos, enquanto o PPS virou Cidadania. O próximo ano deve reservar mais algumas dessas – espera-se que nem todas meramente cosméticas.