No seu “Cancioneiro da Inconfidência”, Cecília Meirelles desata seus versos em torno de um candeeiro bruxuleante: “Em meio a velas acesas/ Conspira-se ao redor da mesa”…

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Nos dias de hoje a conspiração é outra: é contra o consumidor brasileiro, que paga a energia elétrica mais cara do planeta – e, pior, para não tê-la, como sempre acontece nos frequentes “apagões”. Todos estão lembrados de 2001, ainda sob FHC. Naquela época, nossas contas de luz chegavam com um adicional de 2%, quota cobrada de cada contribuinte para que uma dúzia de usinas termoelétricas fossem construídas.

Uma geração mais tarde, o cenário é de um novo “apagão” anunciado: as hidrelétricas da Amazônia são a fio d’água, gerando apenas um terço do seu potencial. E as termoelétricas têm geração caríssima, mantidas pela “bandeira vermelha”.

Fazer o quê, a não ser comprar um pacote das afamadas velas “Wetzel”, de Joinville – e treinar a procura de caixa de fósforos no escuro?

Em Floripa, aquele famoso “apagão” de 2003 ainda está na memória popular. Foram as 55 horas mais fantasmagóricas já vividas pelos ilhéus, desde os tempos da velha Elfa, a empresa de luz que, nos anos 1950, inspirava versinhos que contrapunham bom humor ao desconforto da escuridão absoluta:

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Floripa, beleza que nos seduz/

De dia falta água, de noite falta luz!

Resta-nos enxergar algo de positivo em tantas coisas negativas que envolvem as companhias elétricas do Brasil: com o breu dos apagões, não ficariam mais poéticas as nossas noites, mais aconchegantes as nossas almofadas? Mais convidativas as nossas alcovas, mais enternecedoras as nossas mesas de jantar?

Noites de pura poesia, iluminadas pelos candeeiros da Praça XV, tochas acesas por funcionários da Prefeitura. A escuridão até que poderia gerar empregos, restaurando o antigo ofício municipal do acendedor de lampiões. Seria a volta do velho funcionário que, ao cair da tarde, ia alumiando as vias e as praças públicas, segurando um imenso pavio presidido por uma chama à prova de vento sul.

A falta de chuva nos reservatórios das  hidrelétricas e a inércia na construção das novas, levarão ao inevitável aumento da conta de luz. Quando Deus disse “Faça-se a luz!”, lá no Gênesis, e a luz foi feita, ainda não se sabia “quanto” essa bíblica frase custaria aos consumidores da eletricidade.

 

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